Por que fazemos o que fazemos? A neurobiologia dá sua versão
Mesmo inconscientemente, os hábitos moldam nossas ações diárias e correspondem a mecanismos cerebrais de recompensa e repetição

O filósofo grego Aristóteles disse que “o hábito é uma segunda natureza”. Com isso, antecipou em mais de dois mil e quinhentos anos o que a neurobiologia parece confirmar: depois de formados, os hábitos se enraízam profundamente nos mecanismos cerebrais de recompensa e repetição. É difícil mudar.
Pesquisas recentes atestam que mudar comportamentos habituais exige mais – muito mais – do que apenas força de vontade, envolvendo complexas interações neurobiológicas que otimizam a tomada de decisões.
Dopamina e repetição
A formação de um hábito é um processo gradual e inconsciente, levando em média 70 dias para se consolidar, embora possa variar de três semanas a vários meses. O Dr. William A. Haseltine aponta a recompensa e a repetição como as engrenagens dessa desse mecanismo neural.
Em um primeiro momento, a antecipação de um desfecho positivo libera dopamina – o neurotransmissor do “bem-estar”. Dopamina liberada, queremos mais. A ação tende a se repetir.
Um estudo recente, liderado pelo Dr. Marcus Stephenson-Jones, da University College London, esclareceu como os hábitos persistem mesmo após a gratificação inicial desaparecer. Ele identificou dois sistemas cerebrais de aprendizagem atuando em paralelo: um baseado em recompensa, regulado pela liberação de dopamina em áreas de tomada de decisão, e outro baseado em repetição, que consolida o comportamento na rotina.
A pesquisa com camundongos ajudou nessas descobertas: ao aprenderem tarefas, os animais exibiram picos de dopamina em regiões ligadas ao movimento e à aprendizagem. Essa dopamina age como um “sinal de ensino” para movimentos repetidos.
Isso explica por que, mesmo sem a satisfação inicial de uma atividade (como ir à academia), a repetição contínua mantém o hábito arraigado via liberação de dopamina.
Hábitos diários e estratégias de mudança
Cerca de 45% de nossas ações diárias são regidas por hábitos, desde ligar o carro até escovar os dentes, ocorrendo com pouca ou nenhuma consciência. Essa automação é uma estratégia cerebral eficiente, liberando os centros de decisão para tarefas mais complexas.
Conforme o Dr. Stephenson-Jones, “uma vez que você desenvolve uma preferência por uma determinada ação, você pode ignorar seu sistema baseado em valores e simplesmente confiar em sua política padrão do que você fez no passado”. Essa capacidade do cérebro de se apoiar em “políticas-padrão” torna as rotinas familiares mais fáceis de seguir. Economizamos energia, por assim dizer.
Para quem quer mudar alguns hábitos, trocar os ruins pelos bons, essa compreensão neurobiológica é vital. Em alguns aspectos, não somos mais espertos que os ratinhos do laboratório. Ter isso em mente é importante.
O Dr. Haseltine aconselha que a forma mais eficaz de quebrar um mau hábito não é simplesmente tentar suprimi-lo, mas sim substituí-lo por um novo comportamento positivo. Por exemplo, em vez de recorrer a lanches não saudáveis sob estresse, uma caminhada rápida pode ser uma alternativa. Sim, eu sei, nós sabemos, é difícil. Mas é possível.
O movimento, em particular, é apontado como um elemento-chave na remodelação dos hábitos. Além disso, as descobertas sobre o papel da dopamina na formação de hábitos também abrem portas para potenciais tratamentos de condições neurológicas, como a Doença de Parkinson, onde a disfunção do neurotransmissor afeta o controle motor e os comportamentos automáticos.
Fácil, ninguém disse que seria. Nem mesmo Aristóteles.
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