O impulso insaciável: por que o ser humano sempre quer mais?
Apesar de vivermos em uma era de abundância, a humanidade persiste em uma busca incessante por “mais” – seja lá o que isso significar

Muito embora milhões e milhões de pessoas ainda vivam em estado de pobreza, muitas na mais absoluta miséria, o fato é que todos os índices apontam que, desigualdades à parte, vivemos em uma era de abundância relativa sem precedentes. Mas isso não nos basta.
Insistimos, individual e coletivamente, a buscar mais: bens, reconhecimento social, sucesso financeiro, conquistas amorosas… Essa sensação de insatisfação, que aflige desde o indivíduo comum até os mais abastados, não é um mero capricho moderno, mas sim uma característica profundamente enraizada em nossa evolução, um legado de milhões de anos de adaptação. A psicologia evolutiva oferece explicações convincentes para essa fome ancestral que molda nossos desejos contemporâneos.
As raízes da insatisfação humana
As origens de nosso impulso implacável por acumular remontam aos nossos antepassados caçadores-coletores, que enfrentavam um cenário de escassez e incerteza constantes. Aqueles indivíduos com uma forte inclinação para adquirir recursos, status e conexões sociais eram os mais propensos a sobreviver e a se reproduzir com sucesso.
Essa imperatividade evolutiva se integrou à nossa arquitetura neural, resultando no que os pesquisadores denominam de “esteira hedônica”: um fenômeno psicológico no qual rapidamente retornamos a níveis de satisfação iniciais, independentemente de mudanças positivas ou negativas na vida.
Para Sam Goldstein, a persistência desse impulso reflete a forma como nossos cérebros ainda operam sob uma programação antiga, equiparando a busca por “mais” à sobrevivência e ao êxito reprodutivo. Somos mais parecidos com nossos ancestrais do que imaginamos.
Mecanismos psicológicos específicos desenvolveram-se para resolver desafios de sobrevivência particulares, como a aquisição de recursos, a competição por status e a seleção de parceiros, todos contribuindo para essa busca incessante. A comparação social, por exemplo, é um motor poderoso, herdado de nossos primos uns milhares de anos mais velhos, que monitoravam sua posição relativa dentro de grupos para garantir acesso a recursos e parceiros.
Essa dinâmica se manifesta hoje no consumismo e na competição em redes sociais, onde nossa autovalorização é frequentemente medida em relação aos outros, perpetuando um ciclo de desejo. A liberação temporária de dopamina após uma conquista logo retorna à linha de base, incentivando a próxima busca.
Uma outra maneira de compreender esse mecanismo foi estudada pelo antropólogo e crítico literário francês René Girard, que percebeu um mecanismo recorrente nas grandes obras literárias, mitológicas e religiosas: o “desejo mimético”.
Em linhas gerais, a tese consiste em questionar o caráter romântico do desejo por um objeto – por exemplo: eu quero determinado produto por suas qualidades intrínsecas – e perceber que, na verdade, o desejo é fundamentalmente um gesto imitativo, triangular – ou seja: eu quero determinado produto porque outras pessoas que admiro também querem ou já têm esse produto.
Assim, nossa atuação social é, em grande medida, uma busca insaciável por objetos que nos confiram determinada posição em relação àquelas pessoas que nos influenciam, que admiramos, que invejamos. De algum modo, é um processo de espelhamento e conexão com nossos pares. Imitamos porque precisamos nos comportar no meio social.
O desafio contemporâneo e os (des)caminhos para a satisfação
Embora esses mecanismos tenham sido cruciais para a sobrevivência de nossos antepassados, eles podem se tornar prejudiciais no mundo atual, contribuindo para problemas como endividamento, impactos ambientais e estresse psicológico. Compreender as raízes evolutivas de nossa natureza insaciável não justifica tais comportamentos, mas oferece um valioso panorama sobre a dificuldade de promover a mudança.
A boa notícia é que essa consciência pode ser um ponto de partida para desenvolver uma relação mais saudável com o desejo. Pesquisas em psicologia positiva sugerem que o reconhecimento desses padrões evolutivos pode nos guiar a escolhas mais conscientes sobre o que realmente contribui para o bem-estar. Isso pode incluir práticas como a gratidão, o estabelecimento de limites intencionais para o consumo e a busca de satisfação em experiências em vez de posses materiais. Adicionalmente, o fortalecimento de laços comunitários e conexões sociais continua sendo um aspecto fundamental para a felicidade moderna, com estudos indicando maior satisfação de vida para aqueles com fortes relações sociais, independentemente da riqueza material.
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