Rodolfo Borges na Crusoé: A náusea por Neymar
Sartre teria inveja do incômodo causado pela existência de Neymar Jr. na crônica esportiva brasileira

A Náusea é mencionada 31 vezes no diário de Antoine Roquentin, que compõe o livro de mesmo nome publicado por Sartre em 1938, entre as primeira e segunda guerras mundiais. A tontura e o enjoo da personagem existencialista do filósofo francês não tem uma razão clara e definida para além do confronto com a ausência de sentido de sua vida. Já no Brasil de 2025 não resta dúvida: a Náusea responde pelo nome de Neymar Jr. (foto).
“Então a Náusea acometeu-me, deixei-me cair no assento, nem sequer já sabia onde estava; via as cores girarem lentamente à minha volta, tinha vontade de vomitar. E aqui está: desde então que a Náusea não me deixa; a Náusea apossou-se de mim”, lamenta Roquentin, mas poderia ser um cronista esportivo brasileiro qualquer depois de assistir à reestreia de Neymar pelo Santos.
Compartilho parte dessa náusea, não vou mentir. É incômodo ver alguém, que poderia ter ido tão mais longe, sem conseguir desenvolver todo seu potencial. Neymar tinha a capacidade de carregar o Brasil nas costas, como fizeram Pelé, Romário, Ronaldo. Seus defensores sempre dirão que faltaram parceiros à altura, mas o que fica são os triunfos — e as comparações com os contemporâneos Messi e Cristiano Ronaldo.
Exemplo
Mas o incômodo provocado por Neymar vai além. Por ser um craque e servir de referência para os jogadores mais novos, o atacante deveria ter um comportamento modelo. Ele nem sequer mereceria ser chamado de príncipe, na referência óbvia ao Rei Pelé, porque tem um histórico ruim com mulheres e é pai de filhos de várias mães diferentes.
Além disso, Neymar tem o defeito de não rezar pela cartilha progressista, um pecado mortal para grande parte da crônica esportiva brasileira, que prefere perfis como o de Raí, que esteve na França recentemente discursando contra a “extrema direita” e frequenta assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Curiosamente, Pelé enfrentou críticas parecidas às de Neymar, como a leniência com a ditadura militar, antes de o tempo tratar de deixar na memória mundial apenas aquilo que o imortalizou como o melhor jogador de futebol da história.
“Os homens. Tenho de amar os homens. Os homens são admiráveis. Sinto vontade de vomitar — e, bruscamente, ela chega. Cá está ela: a Náusea. Uma bela crise. Sou sacudido de alto a baixo. Há uma hora que a sentia aproximar-se; somente, não queria confessá-lo a mim próprio. Este sabor de queijo na minha boca…”, diz o protagonista de Sartre.
Arte
“A Náusea não está dentro de mim: sinto-a além, na parede, nos suspensórios, em toda a parte à minha volta. Constitui um todo com o café; sou eu que estou dentro dela”, reclama Roquentin, cujo incômodo só se esvai momentaneamente pela música:
“Extinguiu-se o último acorde. No curto silêncio que segue sinto intensamente uma mudança, sinto que alguma coisa aconteceu. Silêncio. Some of these days You’ll miss me honey. O que acaba de suceder é que a Náusea desapareceu. Quando a voz se levantou, no silêncio, senti o meu corpo contrair-se, e a Náusea dissipou-se.”
Era o que Neymar conseguia proporcionar quando fazia o impossível dentro de campo. Mas sua capacidade para encantar diminuiu com o tempo, e vai sobrando apenas a personalidade, formada em um ambiente…
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