Por que o sistema corrupto adora Bolsonaro
Jair Bolsonaro deixou de avalizar a aquisição de vacina da Pfizer em agosto, quando a empresa fez uma proposta formal de fornecimento ao Brasil, mas não tardou em avalizar o ataque de...
Jair Bolsonaro deixou de avalizar a aquisição de vacina da Pfizer em agosto, quando a empresa fez uma proposta formal de fornecimento ao Brasil, mas não tardou em avalizar o ataque de Kassio Marques à Lei da Ficha Limpa e a potencial absolvição de Lula.
A primeira canetada antecipou o retorno à política de condenados por crimes como estupro, homicídio, desvio de recursos públicos, lavagem de dinheiro e tráfico de entorpecentes; mas encontrou em Luís Roberto Barroso um obstáculo: o ministro suspendeu o processo em que um candidato ficha-suja beneficiado por Kassio pedia o aval da Justiça Eleitoral para assumir o cargo de prefeito. Barroso quer que o plenário do STF delibere sobre o alcance da lei, decidindo se o prazo de 8 anos de inelegibilidade começa a contar após o cumprimento da pena, como dizia o dispositivo, ou a partir da condenação em órgão colegiado, como arbitrou “nosso Kassio” do Centrão, no momento em que o governo busca apoio parlamentar para eleger o réu Arthur Lira presidente da Câmara.
“Quem erra, tem que pagar, mas não pode pagar ‘ad aeternum’”, defendeu Bolsonaro, agora aprendiz de latim, na véspera do Natal. “Nada de mais isso.”
Antes mesmo de Ricardo Lewandowski ter ordenado a abertura dos arquivos hackeados da Lava Jato para seu padrinho político Lula e de Gilmar Mendes pautar o HC do ex-presidiário que questiona a imparcialidade do então juiz Sergio Moro, Bolsonaro também absolveu Kassio de qualquer culpa por eventual decisão da Segunda Turma do STF favorável ao petista: “Se tiver que votar para absolver o Lula, que vote!”, disse o presidente da República, avalizando indiretamente a suspeição de Moro, possível rival em 2022.
Assim como faz Lula, Bolsonaro ainda atacou o instituto da delação premiada: “Delata para criar um clima e depois não se comprova nada”, reclamou o beneficiário agora confesso de 89 mil reais em depósitos de Fabrício Queiroz e Márcia Aguiar, casal atualmente preso no conforto de casa, graças ao aval de Gilmar Mendes à decisão de João Otávio de Noronha, do STJ, de tirar Queiroz da cadeia. Gilmar forma com Lewandowski e Kassio o atual trio libertador da Segunda Turma, cujos esforços somados podem garantir a Lula uma ficha limpa e a consequente elegibilidade.
Curiosamente, um ano antes, na véspera do Natal de 2019, Jair Bolsonaro havia sancionado a restrição da delação premiada aos fatos originalmente investigados, um dos jabutis inseridos no pacote anticrime proposto pelo então ministro Moro. Na ocasião, Bolsonaro e sua claque atacaram os críticos das sanções presidenciais (que também incluíram a restrição à prisão preventiva e a criação da figura do juiz de garantias) e tentaram responsabilizar exclusivamente o Congresso: “Não posso sempre dizer ‘não’ ao Parlamento, pois estaria fechando as portas para qualquer entendimento”, alegou o presidente, fingindo defender instrumentos da legislação penal que hoje abertamente ataca.
O Bolsonaro de 2019, com Moro no governo, ainda se preocupava em posar de defensor da pauta anticorrupção que ele próprio sabotava com seus acordões, sanções e interferências; enquanto o Bolsonaro de 2020, com seu filho Flávio denunciado, Moro fora do governo e o auxílio emergencial garantindo popularidade, até justifica a sabotagem, embora dê a ela um valor positivo, como sempre fez o velho establishment que ele prometeu combater.
(Se tivesse sido de Kassio o entendimento de que pagar funcionários fantasmas não é crime – podendo render sanções administrativas e civis, não penais -, Bolsonaro provavelmente o teria defendido também; mas, como o germe de despenalização da “rachadinha” veio do STJ, ele foi jogar bola em Santos e pastar o gramado da Vila Belmiro.)
Da mesma forma, pelo falseamento retórico da realidade, Bolsonaro agora chama a negligência de seu governo durante a pandemia, turbinada pelo negacionismo e pelas sabotagens das medidas de contenção da Covid-19, de “responsabilidade com o povo”, tentando fazer do atraso vacinal do Brasil em relação a outros países – inclusive na aquisição de seringas – um mérito pessoal.
Como tampouco pega bem para um presidente que se dizia aliado de Donald Trump e Benjamin Netanyahu continuar sabotando a vacinação num país com cerca de 200 mil mortos por coronavírus, enquanto EUA, Israel e dezenas de outros países vacinam cidadãos, com direito a transmissões ao vivo de autoridades tomando injeções e seus pronunciamentos sobre reativação mais rápida da economia, Bolsonaro busca desesperadamente ressuscitar o PT.
Quanto mais se escancara sua traição ao próprio povo, mais o presidente precisa posar de alternativa única a um mal maior.
Tanto que, quatro dias depois de avalizar Lula Livre, Bolsonaro recorreu até a Dilma Rousseff como uma espécie de antípoda emergencial:
“Dizem que a Dilma foi torturada e fraturaram a mandíbula dela. Traz o raio-X para a gente ver o calo ósseo. Olha que eu não sou médico, mas até hoje estou aguardando o raio-X.”
Gilmar Mendes e seu padrinho político FHC, Rodrigo Maia e seu candidato à sucessão, Baleia Rossi, além de Lula e da própria Dilma, claro, repudiaram a fala de Bolsonaro que pôs em dúvida a tortura da petista.
É por isso que o mesmo sistema corrupto que teme Moro adora Bolsonaro e que o presidente mereceu o prêmio internacional de “Personalidade do Ano” do crime organizado e da corrupção: ele garante a impunidade da esquerda, do velho tucanato, do Centrão e da família, enquanto suas cortinas de fumaça alopradas ainda permitem que os demais atores posem de democratas humanitários nesse teatro coletivo de rivalidades ideológicas e sinalizações de virtude.
Canastrice ‘ad aeternum’.
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