Novo rodízio de SP não tem a menor lógica
Por Gabriel Rostey O megarodízio de veículos anunciado pela Prefeitura de São Paulo, após o fiasco dos bloqueios nas vias, suscita duas constatações. A primeira é a incrível capacidade da atual gestão de criar medidas sem nenhuma lógica para aumentar o isolamento social. A segunda: a ilusão de que é possível enfrentar o coronavírus com medidas viárias...
O megarodízio de veículos anunciado pela Prefeitura de São Paulo, após o fiasco dos bloqueios nas vias, suscita duas constatações. A primeira é a incrível capacidade da atual gestão de criar medidas sem nenhuma lógica para aumentar o isolamento social. A segunda: a ilusão de que é possível enfrentar o coronavírus com medidas viárias.
O combate à Covid-19 é prioritário e, de fato, “momentos extremos exigem medidas extremas”, como afirma o prefeito Bruno Covas. Mas é necessário que essas medidas façam algum sentido.
Os deslocamentos na cidade precisam diminuir, mas eles não são um problema em si. Assim como existem os desnecessários, que devem ser suprimidos, há os fundamentais para que a sociedade possa funcionar minimamente. E o que determina qual é qual não é o meio de transporte.
O novo rodízio pune o funcionário da agência bancária, o gerente do supermercado, o dono do restaurante e outros tantos profissionais essenciais que não são do setor da saúde e que seguem trabalhando fora de casa. Forçará essas pessoas a opções com mais contato social – o Uber ou o transporte coletivo.
Quem tinha a opção do carro agora precisará se expor mais às aglomerações do sistema público, o que é ruim para ele e para os que não têm alternativa além de um sistema ainda mais cheio.
A nova regra ainda passa a impressão que é de direito sair de casa no dia em que a placa do carro permite, afinal, no dia em que não, até o que é necessário é negado. Já o profissional de saúde que assim desejar, poderá passear mesmo em dia de rodízio.
Isso se a decisão for apenas um equívoco, e não um favor disfarçado às empresas de ônibus. Segundo pesquisa recentemente divulgada pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP), somente 20% do total de usuários no país continuam se deslocando em linhas de coletivos, o que provoca um gigantesco problema para financiamento das empresas de ônibus. As linhas de coletivo são as mais beneficiadas pelo novo rodízio, por exemplo, com a redução de 50% da oferta de motoristas de aplicativo, pois muitas pessoas utilizam este serviço até a estação de metrô mais próxima, e agora recorrerão ao ônibus para isso.
Também querendo mostrar serviço sem saber como, o prefeito de Vitória, Luciano Rezende, anunciou que pretende reduzir a iluminação pública para aumentar o isolamento. Quem sentirá mais o impacto: o exemplo imaginário que sairia desnecessariamente à noite, ou a enfermeira que efetivamente precisa sair para o turno noturno no hospital e passará por locais escuros?
Até se entende que os prefeitos tomem atitudes de improviso, dada a dificuldade da situação, mas é preciso ter algum amparo da lógica. Senão, além de prejudicar a população, corre-se o risco de que a pirotecnia de prefeitos se torne regra como alternativa simbólica ao tresloucado Presidente da República.
Não é preciso inventar a roda para ser efetivo: fiscalização e punição, com responsabilização individual e repressão ao funcionamento clandestino de estabelecimentos que motivam os deslocamentos das pessoas. Como em qualquer lugar do mundo.
Gabriel Rostey é consultor em política urbana, patrimônio cultural e turismo. Ex-Secretário Geral da Associação Preserva São Paulo, foi membro do Conselho Municipal de Política Urbana da cidade de São Paulo.
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