No palanque eterno de João Doria
Desde o início de março, quando a pandemia de Covid-19 chegou ao país, o governador de São Paulo, João Doria, posou quase que diariamente diante das câmeras, em entrevistas coletivas, para atualizar os dados sobre a doença, anunciar medidas para conter a infecção e, claro, usar o palanque sanitário para atacar Jair Bolsonaro...
Desde o início de março, quando a pandemia de Covid-19 chegou ao país, o governador de São Paulo, o tucano João Doria, posou quase que diariamente diante das câmeras, em entrevistas coletivas, para atualizar os dados sobre a doença, anunciar medidas para conter a infecção e, claro, usar o palanque sanitário para atacar Jair Bolsonaro.
De olho na próxima eleição presidencial, o tucano virou o principal rival do presidente, ao defender medidas restritivas de circulação e fechamento do comércio no estado mais afetado pela pandemia.
Doria anunciou o fechamento de shoppings, academias e outros estabelecimentos comerciais da região metropolitana de São Paulo em 18 de março.
Poucos dias depois, em pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, Bolsonaro acusou os governadores e a imprensa de “histeria” e pediu à população para que voltasse à “normalidade” , sob o risco de a economia parar.
Logo depois, as indiretas viraram confronto escancarado entre os dois.
Em uma teleconferência com governadores, Bolsonaro cobrou o tucano por ter usado o slogan “BolsoDoria” na campanha de 2018 e disse que o governador não tinha autoridade moral para criticá-lo porque fora eleito às custas dele. Também o chamou de “leviano” e “demagogo”.
Doria aproveitou a deixa e classificou a postura do presidente durante a videoconferência como “decepcionante” e afirmou ter recebido um “ataque descontrolado“ de Bolsonaro.
Em abril, o tucano anunciou que o governo paulista havia passado a monitorar a população por meio do sinal de aparelhos celular para verificar o isolamento do estado. E ameaçou mandar a Polícia Militar prender cidadãos que violassem a quarentena e resistissem à determinação dos agentes para se recolher: “Não só receber uma advertência, multa, mas também voz de prisão.”
A ameaça enfureceu ainda mais os bolsonaristas nas redes sociais.
O governador foi acusado de autoritarismo em razão das medidas e virou o alvo principal de carreatas e manifestações de apoiadores do presidente nos meses seguintes.
Na famosa reunião ministerial do dia 22 de abril, Bolsonaro chamou seu desafeto de “bosta” em razão das medidas restritivas de isolamento. “Os caras querem é a nossa hemorroida! É a nossa liberdade! Isso é uma verdade”, disse.
Como mostrou a Crusoé, Doria foi alvo de vários processos judiciais por causa de ações implementadas pelo governador paulista para combater a pandemia. Em um dos processos, advogados pediram liminar proibindo que o governo paulista utilizasse sinais de telefonia sem autorização prévia dos clientes, para fazer o levantamento de quantas pessoas saíam às ruas durante a quarentena.
Além de Doria, outros governadores foram na mesma direção, baseados nas recomendações da Organização Mundial da Saúde e de especialistas da área, e não na orientação negacionista do presidente da República.
Em meio a essa guerra, Bolsonaro desautorizou o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que chegou a anunciar acordo com o estado de São Paulo para a compra de 46 milhões de doses da Coronavac, a vacina desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac e produzida no Brasil pelo Instituto Butantan.
O presidente também comemorou a suspensão pela Anvisa, em novembro, dos estudos clínicos do imunizante no Brasil e afirmou: “Mais uma que Jair Bolsonaro ganha“. “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar todos os paulistanos a tomá-la”, escreveu o presidente em resposta a um seguidor no Facebook.
A suspensão do estudo clínico da Coronavac ocorreu após a morte de um voluntário brasileiro, mas o óbito não estava relacionado ao imunizante, o que levou a agência a retomar os testes em seguida.
No fim do ano, Doria anunciou que o estado de São Paulo daria início à vacinação contra a Covid-19 em 25 janeiro de 2021. O anúncio, claro, aumentou a pressão sobre o governo federal para que o Ministério da Saúde oferecesse uma resposta rápida para imunizar os brasileiros contra a doença.
Em reunião virtual com Pazuello, Doria questionou o ministro sobre possíveis razões político-ideológicas para o governo federal não comprar a Coronavac. Alinhado a Bolsonaro, o ministro-general reagiu: “A vacina do Butantan não é do estado de São Paulo, é do Butantan.”
Pazuello, porém, acabou incluindo a Coronavac no rol de imunizantes que o governo poderá adquirir após aprovação da Anvisa.
Doria, por sua vez, cantou vitória antes da hora e resolveu viajar para Miami com a família, enquanto São Paulo voltava à fase vermelha do lockdown às vésperas do Natal.
A saidinha pegou mal, Doria voltou, pediu desculpas, mas deu nova munição para Jair Bolsonaro, que na live do dia 24 de dezembro, chamou o governador de “calcinha apertada”. “Isso não é coisa de homem. Fecha São Paulo e vai passear em Miami. É coisa de quem tem calcinha apertada. Isso é um crime.”
A disputa política e a demora na imunização devem gerar mais tensões em 2021 entre Bolsonaro e Doria, enquanto as mortes se acumulam – até o Natal já eram mais de 190 mil.
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