Muita facção para poucos fiscais no Brasil
O Coaf recebeu em 2023 cerca de 1,7 milhão de operações suspeitas, mas apenas uma pequena fração dessas informações foi analisada detalhadamente
Dois meses após O Antagonista publicar a nota “Lula sabota o Coaf, órgão de combate à lavagem de dinheiro”, um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que o órgão não dá conta de rastrear o dinheiro das 72 facções criminosas em atividade no Brasil.
Com uma extensão que permeia desde o tráfico de drogas até a influência sobre serviços básicos, as facções criminosas continuam a se fortalecer, desafiando as forças de segurança.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) recebeu em 2023 aproximadamente 1,7 milhão de Comunicações de Operações Suspeitas (COS) e 4,4 milhões de Comunicações de Operações em Espécie (COE). No entanto, apenas uma pequena fração dessas informações foi analisada detalhadamente devido à insuficiência de recursos humanos e tecnológicos.
Dados do estudo revelam que, em 2021, grupos criminosos como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) atuaram não apenas em território nacional, como também alcançaram outras nações, dificultando ainda mais a fiscalização desse dinheiro oriundo do crime organizado, disse reportagem do O Globo.
Desafios na Rastreabilidade de Recursos
De acordo com o estudo, com menos de 100 servidores, o Coaf produziu 16.411 Relatórios de Informações Financeiras em 2023. Desses, 33,5% foram feitos a pedido da Polícia Federal, que teve 73,3% de suas solicitações atendidas. As polícias civis estaduais receberam 46,6% dos relatórios, atendendo 64,1% das requisições.
A atividade ilícita das facções tem um impacto econômico significativo. Um exemplo é o contrabando de cigarros do Paraguai, que levou o Brasil a deixar de arrecadar R$ 94,4 bilhões em impostos nos últimos 11 anos.
Além disso, estima-se que a cocaína que transita no Brasil gera um faturamento de US$ 65,7 bilhões anuais, representando 3,98% do PIB do país em 2021.
Lula sabota o Coaf
No fim de abril deste ano, O Antagonista mostrou que o Coaf, sob o governo Lula (PT), teve seu menor orçamento dos últimos cinco anos.
O órgão tem 17,6 milhões de reais a disposição para 2024, dos quais 8,4 milhões de reais já foram empenhados. O valor disponível é 30% a menos do que em 2023 para despesas discricionárias.
No ano passado, o Coaf tinha 23,6 milhões de reais para arcar com despesas como diárias, passagens aéreas, contribuições para organismos internacionais, serviços de tecnologia de informação e equipamentos e utilizou 99,8% do valor.
Em 2020, ano do período analisado em que o conselho teve o menor orçamento discricionário até então, estavam disponíveis 19,2 milhões de reais.
Em evento realizado na Faculdade de Direito da USP, realizado em abril, o presidente do Coaf, Ricardo Liáo, comentou o corte de recursos.
“Está difícil de a gente conseguir sobreviver, mas vamos fazer das tripas coração e tentar superar isso aí”, afirmou.
O Coaf
Criado há 25 anos, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras produziu relatórios que subsidiaram as principais investigações de lavagem de dinheiro do país, abastecendo, por exemplo, a Lava Jato.
Na operação, o órgão apontou movimentações atípicas de Lula, que agora o sabota reduzindo seus recursos, e seus filhos. O petista, no entanto, foi blindado pelo Supremo Tribunal Federal por meio de manobras processuais.
O Coaf também foi alvo de Jair Bolsonaro, que transferiu o conselho do Ministério da Justiça e Segurança Pública, de Sergio Moro, para o da Economia, de Paulo Guedes, quando avançaram as investigações sobre seu filho Flávio, que havia aparecido em lista do órgão.
PCC: a máfia na política
Na reportagem de capa, escrita por Duda Teixeira e Gui Mendes, em sua edição de número 311, Crusoé mostrou o quando o PCC evoluiu ao ponto de já poder ser considerado uma máfia.
O principal risco de permitir que uma máfia sugue o Estado é inviabilizar qualquer reação ao crime, gerando uma sociedade amedrontada e inapetente. Um exemplo das consequências desse fenômeno foi a revelação, em março, de que o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio, não apenas arquitetou a execução da vereadora Marielle Franco, do Psol, como atrapalhou as investigações. A Delegacia de Homicídios, chefiada por Barbosa, recebia, segundo um depoimento, entre 60 mil e 80 mil reais das milícias.
Como não têm uma atuação nacional, as milícias cariocas ainda não chegam ao ponto de poderem ser consideradas como máfias. Mas a investigação da morte de Marielle Franco mostra outra característica, ainda mais nociva. No Rio de Janeiro, o parasitismo é ainda mais explícito, uma vez que muitos policiais, vereadores, deputados estaduais e federais têm relação com esses grupos criminosos. É uma relação carnal, que se torna ainda mais deletéria por causa da elevada corrupção na polícia carioca. Assim, mesmo quando o Ministério Público do Rio de Janeiro realiza um bom trabalho de investigação, os promotores não contam com a devida proteção e as decisões da Justiça não são devidamente implementadas.
Um dos que mais tem alertado a sociedade sobre o vampirismo do PCC e suas consequências é o promotor do Ministério Público de São Paulo Lincoln Gakiya (assista à entrevista com ele nesta edição da Crusoé). Integrante do Grupo de Atuação Especial ao Crime Organizado do MP-SP, ele estuda o PCC há duas décadas e está jurado de morte — só se movimenta com pesada escolta de policiais militares. No início de abril, Gakiya apresentou os resultados da operação Fim de Linha, que resultou na intervenção municipal de duas empresas de ônibus, a Transwolff e a UPBus, cujos donos e sócios eram membros do PCC.
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