Moro: "A guerra na Ucrânia e a era da instabilidade" Moro: "A guerra na Ucrânia e a era da instabilidade"
O Antagonista

Moro: “A guerra na Ucrânia e a era da instabilidade”

avatar
Sergio Moro
6 minutos de leitura 03.03.2022 08:00 comentários
Brasil

Moro: “A guerra na Ucrânia e a era da instabilidade”

Nos conflitos bélicos, minutos fazem a diferença. Enquanto escrevo este artigo, os ataques e o número de mortos aumentam e uma nova rodada de negociações pode acontecer a qualquer momento. Já faz quase uma semana que a Rússia invadiu a Ucrânia, em uma clara violação do direito internacional. A guerra voltou à Europa...

avatar
Sergio Moro
6 minutos de leitura 03.03.2022 08:00 comentários 0
Moro: “A guerra na Ucrânia e a era da instabilidade”
Reprodução/Panico/YouTube

Nos conflitos bélicos, minutos fazem a diferença. Enquanto escrevo este artigo, os ataques e o número de mortos aumentam e uma nova rodada de negociações pode acontecer a qualquer momento. Já faz quase uma semana que a Rússia invadiu a Ucrânia, em uma clara violação do direito internacional. A guerra voltou à Europa.

As tensões entre os dois países vinham se avolumando desde a chamada Revolução da Dignidade, em 2014, com a deposição do presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovych, que era favorável à aproximação com a Rússia, em dissonância com desejo majoritário da população de aliar política e economicamente à União Europeia. Oito anos depois, a tentativa da Ucrânia de ingressar na OTAN foi utilizada como pretexto pela Rússia para a invasão, em um alegado movimento de autoproteção.

Esses fatos servem como contexto, nunca como justificativa. A invasão de um país por outro viola a Carta das Nações Unidas, além disso não havia nenhuma ameaça à Rússia proveniente da Ucrânia que justificasse a agressão. Como se não bastasse, o sofrimento decorrente da guerra é motivo suficiente para repudiar todo o ocorrido.

Nos dias seguintes à invasão, assistimos à brava resistência ucraniana, a retratar que a Rússia não terá vida fácil nos combates ou em eventual ocupação do país. Após demonstrações de coragem e resiliência, que reproduzem episódios da Revolução da Dignidade, parece bastante improvável que os ucranianos aceitem com facilidade perder a independência ou a colocação de um governo fantoche pela Rússia. É um jogo no qual a Rússia não parece ter muito a ganhar a médio e longo prazo, ainda que seja eventualmente vitoriosa na invasão. Seria uma vitória de Pirro, na qual os custos superariam em muito os ganhos.

Desde o primeiro momento, manifestei meu repúdio à guerra e à violação da soberania da Ucrânia. Nada, evidentemente, contra a Rússia, mas sim contra a invasão. Se a situação fosse inversa, seria a Rússia a receber a solidariedade. Reiterei esse mesmo posicionamento em pronunciamentos públicos e também nas redes sociais.

A reação das democracias liberais tem sido dura, impondo severas sanções econômicas à Rússia e fornecendo equipamentos e armas aos combatentes ucranianos. Há quem repute tal apoio insuficiente, mas o passo seguinte seria ingressar na guerra, o que poderia precipitar um indesejável conflito mundial.

O Governo brasileiro mostrou-se ambíguo. No Conselho de Segurança da ONU, o Brasil pronunciou-se favoravelmente à aprovação de uma resolução contrária à invasão, mas tem se posicionado contrariamente à imposição de sanções econômicas. Já o Presidente da República, Bolsonaro, a voz mais representativa do País nas relações internacionais, tem se mostrado simpático a Putin, prejudicando a imagem do Brasil na comunidade internacional, e também se colocando na contramão da solidariedade ao povo ucraniano manifestada pela maioria dos brasileiros.

A posição do Presidente converge com a da oposição na extrema-esquerda, liderada por Lula. Dela se ouviu basicamente uma genérica condenação à guerra, como se não houvesse um agressor e uma vítima. O antiamericanismo levou o PT a publicar uma nota na qual, surpreendentemente, culpou os Estados Unidos pelos fatos, deixando de lado a clara responsabilidade da Rússia pela invasão. Há um anacrônico saudosismo por parte da esquerda da antiga União Soviética e que a impede de fazer julgamentos morais acertados.

Os pré-candidatos do centro liberal e democrático, eu inclusive, emitiram, por sua vez, nota conjunta condenando a guerra e a violação da soberania da Ucrânia, somando-se às anteriores manifestações individuais. Essa é a posição correta. Acima dos interesses imediatos, não há neutralidade possível entre agressor e vítima, especialmente diante do sofrimento imposto à população ucraniana pela invasão ilegal por parte de um país estrangeiro. Isso não significa que o Brasil deveria entrar em guerra, abandonar os BRICS ou reavaliar a sua histórica tradição de não-alinhamento, mas sim que deveria externar uma posição clara contra a violação da soberania da Ucrânia.

O Brasil precisa se preparar para os tempos difíceis que virão. Ainda sofrendo as consequências da pandemia e com a economia estagnada por conta de erros políticos, teremos que nos preparar para novos impactos na cadeia de fornecimento mundial e para a elevação dos preços dos produtos exportados por Rússia e Ucrânia, como petróleo, fertilizantes e trigo. Podemos prever mais inflação, redução do crescimento econômico e dificuldades para nossa agropecuária, já atingida pela quebra da safra no sul, devido à forte estiagem.

Winston Churchill liderou o Reino Unido na Segunda Guerra Mundial, mas, ao fim dela, os conservadores perderam a maioria no parlamento para os trabalhistas, e o cargo de primeiro-ministro passou para Clement Attlee. Os britânicos viram Churchill como o líder ideal na guerra, mas não na paz que se seguiu. Não sei se estavam ou não certos, mas Churchill voltou adiante ao cargo de primeiro-ministro.

De todo modo, o mundo atual está se mostrando complexo e, mais do que nunca, precisaremos de boas lideranças para enfrentar esses tempos instáveis. Nos últimos anos, assistimos a crescentes ameaças às democracias liberais – com o ressurgimento de nacionalismos e autoritarismos -, uma pandemia mundial e agora uma guerra que irá trazer desequilíbrios e instabilidades para o mundo todo. Agreguem-se os desafios crescentes da mudança climática.

A lição que devemos extrair de tudo isso é que não temos mais tempo a perder. Precisamos fazer as reformas modernizantes do país para voltarmos a crescer de forma inclusiva e sustentável e para podermos nos posicionar com mais força e segurança em um mundo que promete ser cada vez mais desafiador. Nessa jornada na era de instabilidades, não podemos deixar de lado os nossos princípios fundamentais, e eles exigem que nos posicionemos de forma responsável e clara nos grandes acontecimentos mundiais. Não há mais espaço para erros ou vacilos. É preciso estar do lado certo da história.

  • Mais lidas
  • Mais comentadas
  • Últimas notícias
1

PF prende Braga Netto em investigação sobre tentativa de golpe

Visualizar notícia
2

Pablo Marçal, Boninho e Jojo Todynho: o que acontece no SBT?

Visualizar notícia
3

“Atropelo das normas”, diz Mourão sobre prisão de Braga Netto

Visualizar notícia
4

Um “press release” do STF para a J&F

Visualizar notícia
5

Lula, empresários fraternos e bilhões sob conflito de interesses

Visualizar notícia
6

PF: Braga Netto usou sacola de vinho para repassar dinheiro a “kid preto”

Visualizar notícia
7

Moraes multa Marcos do Val por discurso repostado por terceiro

Visualizar notícia
8

AGU manda YouTube retirar conteúdos falsos sobre saúde de Lula

Visualizar notícia
9

Presidente da Coreia do Sul sofre impeachment após tentativa de lei marcial

Visualizar notícia
10

Assessor de Braga Netto também é alvo de operação da PF

Visualizar notícia
1

‘Queimadas do amor’: Toffoli é internado com inflamação no pulmão

Visualizar notícia
2

Sim, Dino assumiu a presidência

Visualizar notícia
3

O pedido de desculpas de Pablo Marçal a Tabata Amaral

Visualizar notícia
4

"Só falta ocuparem nossos gabinetes", diz senador sobre ministros do Supremo

Visualizar notícia
5

Explosões em dispositivos eletrônicos ferem mais de 2.500 no Líbano

Visualizar notícia
6

Datena a Marçal: “Eu não bato em covarde duas vezes”; haja testosterona

Visualizar notícia
7

Governo prepara anúncio de medidas para conter queimadas

Visualizar notícia
8

Crusoé: Missão da ONU conclui que Maduro adotou repressão "sem precedentes"

Visualizar notícia
9

Cadeirada de Datena representa ápice da baixaria nos debates em São Paulo

Visualizar notícia
10

Deputado apresenta PL Pablo Marçal, para conter agressões em debates

Visualizar notícia
1

O retorno de Dexter Morgan: Uma surpresa na nova série da Paramount

Visualizar notícia
2

Asilados em embaixada pedem ajuda de Lula para sair da Venezuela

Visualizar notícia
3

PSOL vai pedir extinção dos kids pretos

Visualizar notícia
4

Funcionário de embaixada sob custódia do Brasil é preso na Venezuela

Visualizar notícia
5

Defesa de Braga Netto nega obstrução à Justiça

Visualizar notícia
6

Dexter: Original Sin - Série terá segunda temporada

Visualizar notícia
7

Juiz auxiliar de Moraes mantém prisão de Braga Netto

Visualizar notícia
8

Jerônimo Teixeira na Crusoé: Sobre câmeras corporais e erros letais

Visualizar notícia
9

Moraes cita “extrema periculosidade” de Braga Netto

Visualizar notícia
10

Carla Zambelli reclama de “perseguição” em sexta-feira 13

Visualizar notícia

Assine nossa newsletter

Inscreva-se e receba o conteúdo do O Antagonista em primeira mão!

Tags relacionadas

bolsonaro guerra na Ucrânia invasão da Ucrânia Lula Moro Putin terceira via
< Notícia Anterior

França recomenda "fortemente" que cidadãos deixem a Rússia

03.03.2022 00:00 4 minutos de leitura
Próxima notícia >

Brasileira que está na Ucrânia teme novos ataques de tropas russas

03.03.2022 00:00 4 minutos de leitura
avatar

Sergio Moro

Sergio Moro é ex-juiz federal, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública e pré-candidato do Podemos à Presidência da República.

Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.

Comentários (0)

Torne-se um assinante para comentar

Notícias relacionadas

Marinha alerta para possível ciclone no Brasil

Marinha alerta para possível ciclone no Brasil

Visualizar notícia
Asilados em embaixada pedem ajuda de Lula para sair da Venezuela

Asilados em embaixada pedem ajuda de Lula para sair da Venezuela

Visualizar notícia
PSOL vai pedir extinção dos kids pretos

PSOL vai pedir extinção dos kids pretos

Visualizar notícia
Alerta de Ciclone Extratropical na região Sul do Brasil. Veja com se proteger

Alerta de Ciclone Extratropical na região Sul do Brasil. Veja com se proteger

Visualizar notícia
Icone casa

Seja nosso assinante

E tenha acesso exclusivo aos nossos conteúdos

Apoie o jornalismo independente. Assine O Antagonista e a Revista Crusoé.