Josias Teófilo na Crusoé: A crucial distinção entre cultura e entretenimento
No Brasil, infelizmente, a cultura de massa tem sido amplamente incentivada pelo Estado, até mesmo aquele tipo de manifestação que não depende disso

É preciso botar os pingos nos is. Cada macaco no seu galho, e o galho de Caetano [Veloso] é o showbiz. Por mais poético que seja, é entretenimento. E entretenimento não é cultura”, disse o poeta Bruno Tolentino na famosa entrevista às páginas amarelas da Veja em 1996.
Tal distinção está muito fora de moda, é considerada elitista. Mas é fundamental, não só para a compreensão da cultura, como para a elaboração de políticas públicas nas áreas de cultura e educação.
Houve o tempo em que a esquerda defendia muito essa ideia: a Escola de Frankfurt, por exemplo, com Adorno e Horkheimer, era implacável na defesa da cultura distinta do entretenimento, considerado uma forma de alienação das massas.
Mas a esquerda mudou muito de lá para cá, e passou a se contentar com o entretenimento feito para as massas desde que de tempos em tempos o suposto artista – em geral bastante capitalista – se engaje em pautas identitárias, ou faça campanha para algum candidato específico.
Defesa da cultura
O papel da defesa da cultura distinta das manifestações de massa acabou ficando com a direita, especialmente Bruno Tolentino, que na Europa viveu um ambiente em que tal distinção era perfeitamente natural. Ele disse, ainda na famosa entrevista: “É preciso perguntar dia e noite: por que Chico, Caetano e Benjor no lugar de Bandeira, Adélia Prado e Ferreira Gullar?”.
Com efeito, aconteceu uma verdadeira substituição da cultura pelo entretenimento de massas. Nos vestibulares e no Enem a música pop tomou o lugar da grande poesia feita no Brasil. No cinema aconteceu a mesma coisa: os documentários e cinebiografias musicais tratam quase exclusivamente de música popular e pop, ignorando a música clássica e a grande poesia.
E pior: muitos nomes tornaram-se completamente desconhecidos do público em geral por causa dessa tendência. O editor Diogo Fontana escreveu na orelha do livro O Sentido da Tradição, de Tasso da Silveira: “Para cada Chico Buarque exaltado, um Antonio Olinto proscrito. Para cada Frei Betto, um Gustavo Corção. Para cada Gilberto Gil, um José Geraldo Vieira. Para cada Jô Soares, um João Camilo de Oliveira Torres”.
A distinção é fundamental
O problema não é a exaltação de músicos populares como músicos populares, isso existe em todo mundo. O problema é transformá-los naquilo que não são: representantes máximos da cultura brasileira, referências acadêmicas ou intelectuais – inclusive ocupando o espaço devido a outros artistas, esses sim importantes.
Quando se trata de política pública, a distinção entre arte e entretenimento é fundamental. O Estado não pode se envolver em todas as manifestações culturais, seria inviável. Ele acaba tendo que escolher o que financiar e o que não financiar. Em muitos países, como a França, o critério de valor artístico e cultural é utilizado.
No Brasil, infelizmente, a cultura de massa tem sido amplamente incentivada pelo Estado, até mesmo aquele tipo de manifestação que não depende do governo para sobreviver, como os show de pop e sertanejo. As prefeituras lideram na contratação desse tipo de show a valores exorbitantes – a Prefeitura de São Paulo, por exemplo, gasta 65 milhões com a controversa Virada Cultural, focada na música pop.
Esse é o mesmo valor que…
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