Jerônimo Teixeira na Crusoé: Ser de esquerda ficou muito barato
Foi-se o tempo em que o progressista tinha de se provar cortando cana em Cuba: hoje, basta dançar o forró poligâmico

Forró contemporâneo. Você sabe o que é isso, leitor?
Quando ouvi a expressão, imaginei jovens artistas renovando o gênero consagrado por Luiz Gonzaga.
Nada disso: inovação musical não balança o patriarcado. É a forma de dançar o forró que precisa mudar.
Até ontem, a dança era cisgênero e monogâmica. Não mais: o salão de forró está se afinando às novas contemporaneidades sexualmente fluidas.
Contrariando aquela etimologia fajuta segundo a qual a palavra “forró” vem do inglês “for all“, o forró contemporâneo não é para todos.
É só para quem está em sintonia com os corpos não binários de outros forrozeiros.
No forró contemporâneo, não é o homem que conduz a dança, pois isso é machista. E não precisa dançar em dupla: grupos poligâmicos podem se agarrar na pista, sem preconceito e sem ritmo.
E veja só que coisa: os dançarinos ficam de olhos vendados.
A paródia e o original
Tomei conhecimento do tal forró contemporâneo no Malhassaum, perfil humorístico do Instagram que parodia as modinhas da turma descolada e decolonizada.
Só depois fui ver o vídeo que inspirou a sátira. Registrava uma noite de forró na Zona Sul do Rio de Janeiro. A maior diferença entre o original e a paródia é que o primeiro se leva a sério.
No novo forró carioca, a turma realmente dança de olhos vendados, e em variadas configurações poligâmicas.
Nada contra. Sou conservador na economia e liberal nos costumes: cada um se diverte como quiser.
Só que a moça que narra o vídeo – tudo hoje é “narrativa”, não é mesmo? – não fala em diversão, animação, alegria.
O papo dela mistura a linguagem da autoajuda com o jargão do novo progressismo. Tem “imersão“, “quebra de paradigma”, “escutar o outro”.
Dançar forró contemporâneo, diz a moça, foi uma experiência louca e transformadora, na qual ela conheceu melhor seu corpo e desconstruiu preconceitos que nem sabia que tinha.
Só faltou dizer que o novo forró é antifascista. Ficou implícito.
A política da irrelevância
Deve ser pesado o cotidiano de quem não se autoriza a um só momento de descompromisso, de leveza, pois tudo precisa ter um sentido político.
De outro lado, o narcisista se compraz ao imaginar que qualquer bobagem que ele faça muda o mundo.
O sujeito dança forró e se liberta das amarras do patriarcado.
Bebe uma caipirinha orgânica e contribui para preservar florestas e salvar povos originários.
Publica uma foto com kheffiyeh no Instagram e desafia a “entidade sionista” que oprime os palestinos.
Costuma-se colocar esse tipo de coisa na categoria da “sinalização de virtude”.
Vulgarizada na guerra cultural, essa expressão carrega sempre um sentido pejorativo. No entanto, há uma sinalização de virtude que é, de fato, virtuosa.
O preço da virtude
Na coletânea de ensaios Virtue Signaling – Essays on Darwinian Politics & Free Speech (Sinalização de Virtude – Ensaios em Política Darwinista & Liberdade de Expressão), o psicólogo evolutivo americano Geoffrey Miller, da Universidade do Novo México, lembra que os seres humanos sempre foram bons em propagandear sua própria bondade.
Somos, afinal, animais gregários. Vivendo em sociedade, tentamos cultivar uma boa reputação com parentes, amigos, vizinhos, colegas de trabalho.
Pessoas que realizam trabalho voluntário em hospitais e creches ou doam sangue regularmente, por exemplo, costumam falar dessas atividades em seus círculos sociais.
E é bom que o façam, pois assim incentivam outros a exercitarem o altruísmo.
A diferença entre a legítima sinalização de virtude e a autopropaganda narcisista está no esforço que a primeira exige.
O verdadeiro altruísmo exige dedicação e às vezes até implica riscos pessoais. A sinalização de virtude vazia pede apenas um post no Instagram.
Se a publicação for um vídeo de forró…
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Comentários (1)
Liane Fiorillo
13.04.2025 09:16Calígula ficaria com inveja…