Jerônimo Teixeira na Crusoé: Retrato de Leão XIV visto do X
Mal foi anunciado o resultado do conclave e todo mundo já correu às redes para dar sua opinião definitiva sobre o papa americano

Aviso: este não é um texto sobre o papa.
Tudo que sei dizer sobre o homem outrora conhecido como Robert Francis Prevost é que ele parece bem simpático. Não tenho ideia do que ele fará à frente da Igreja que agora comanda.
Careço de “lugar de fala” para palpitar sobre o assunto, pois não sou católico.
Meu modesto propósito é fazer a um apanhado das bobagens ditas sobre o Bispo de Roma nesse reino que não é da Terra mas tampouco tem qualquer coisa de espiritual: as redes sociais.
Este será, portanto, um texto em torno do papa.
A turma do outro Twitter
Por mais horas do que seria recomendável à salvação da minha alma, observei comentários, reações e memes que se seguiram ao anúncio do escolhido pelo conclave.
Encontrei, sim, um punhado de gente bem-informada sobre temas católicos. Até aprendi uma coisa ou outra (é bom não confundir, amigo leitor: Leão XIV vem da Ordem de Santo Agostinho, não dos Agostinianos Recoletos).
Mas foram os clichês ideológicos que ditaram o tom da conversa.
Na internet, costumo restringir minha atividade social (na verdade, antissocial: publico pouco) à rede outrora conhecida como Twitter – daí ter lhe concedido uma menção no título acima.
No primeiro dia depois do anúncio do primeiro papa americano, porém, também frequentei o Threads.
Tive a impressão de que os progressistas foram mesmo buscar abrigo lá depois que Elon Musk entregou o X a fascistas como eu. Encontrei até usuários do Threads que ainda se declaram woke, termo que anda meio em baixa.
Parte desse segmento segue um anticlericalismo tão rábido quanto pueril. Espumam pela boca e sofrem convulsões brutais sempre que se fala da Igreja Católica.
Tenho a impressão de que, em 2013, na eleição de Francisco, essa turma furibunda era mais numerosa e barulhenta nas redes sociais (aliás, na rede: eu então só usava o Facebook). Talvez o pontificado de Francisco, tido como liberal, tenha amolecido o coração dos inimigos da igreja.
Ainda assim, vi uma meia dúzia de manifestações agressivas contra o novo papa.
Um post em inglês – creio que o autor é americano – lembrou os casos de pedofilia acobertados pela Igreja nos Estados Unidos (o que é um fato conhecido) e daí saltou à conclusão de que o cardeal Prevost protegeu abusadores de crianças (o que é uma calúnia).
O papa e o POTUS
No geral, porém, os progressistas ficaram contentes com Leão XIV. Para essa turma, claro, contou pontos o fato do então cardeal Prevost ter contestado, em sua conta no X, umas bobagens que de J.D. Vance, vice de Donald Trump, andou dizendo sobre o amor cristão.
A esquerda do Threads parece atribuir ao primeiro papa americano a missão de fazer um contraponto ao 47º presidente dos Estados Unidos. Houve até quem dissesse que o conclave escolheu Prevost com esse objetivo.
Acho um tanto duvidoso que uma instituição milenar tome decisões dessa monta em resposta à conjuntura internacional do momento. Leão XIV, afinal, tem 69 anos e exerce um cargo vitalício.
Nove anos mais velho, Trump, embora manifeste o desejo inconstitucional de cumprir um terceiro mandato, está obrigado a deixar o cargo em 2029.
O esquerdista moderado, no entanto, vive dessas suaves ilusões (enquanto o esquerdista radical apega-se a delírios destrutivos).
Ele acredita que Leão XIV será, como seu antecessor, o papa das reformas. Mas esquece que, em uma instituição fundamentada em valores religiosos, a reforma só pode ir até a esquina.
Um papa americano fictício
Desconfio que, bem lá no fundo, o progressista simpático ao papa americano guarda a esperança de que ele reencene no Vaticano a anárquica (talvez sacrílega?) sequência inicial de The Young Pope, minissérie de 2016 escrita e dirigida por Paolo Sorrentino.
O protagonista é Lenny Belardo, que, com o nome Pio XIII, torna-se o mais jovem papa da história e também o primeiro americano (curiosamente, o papel é vivido por um ator inglês, Jude Law).
No primeiro episódio, esse papa fictício fala aos fiéis reunidos na Praça de São Pedro. Seu discurso cai como uma bomba.
A Igreja, anuncia ele, passará por grandes mudanças. Mulheres também rezarão a missa. Padres poderão se casar. O matrimônio gay será permitido. E o aborto estará liberado.
A cena é cômica: a cada uma dessas declarações, velhas beatas e jovens freiras caem desmaiadas no chão.
Por fim, revela-se que era tudo apenas um pesadelo de Lenny Belardo, que acorda até bem tranquilo em seu novo quarto no Vaticano, para começar uma revolução muito diferente daquela com que sonhara: ele se revela um papa ultraconservador.
Papa woke e marxista?
O sonho de uns é o pesadelo de outros. E aí chegamos a outro grupo furibundo que proclama a arrogante intenção de salvar o catolicismo de si mesmo.
Um dia depois de anunciado o novo pontífice, uma influenciadora americana que parece ter certa fama nos meios trumpista já proclamava, em letras maiúsculas, que Leão XIV é MARXISTA e WOKE.
Pelo que leio, as posições de Leão XIV sobre homossexualidade não rompem com o entendimento católico sobre o tema. Se ele é woke, então teremos de concluir que a Igreja Católica já era woke antes do woke.
E marxista? Ora, me poupe.
O pontífice escolheu seu nome em homenagem a Leão XIII, papa que se preocupou com problemas sociais levantados pela industrialização. Ele acredita que a herança da doutrina social católica será relevante agora que se anuncia uma nova revolução tecnológica, impulsionada pela inteligência artificial.
Isso está longe de configurar um chamado…
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