Entrevista: prefeito propõe cremação de mortos por Covid-19 para aliviar ‘caos funerário’ em Manaus
Entre uma reunião e outra, o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio (PSDB), conversou por telefone no início desta tarde com O Antagonista. Ele disse que a situação na capital do Amazonas é "completamente calamitosa" e que as imagens do caos funerário são resultado do colapso do sistema de saúde...
Entre uma reunião e outra, o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio (PSDB), conversou por telefone no início desta tarde com O Antagonista. Ele disse que a situação na capital do Amazonas é “completamente calamitosa” e que as imagens do caos funerário são resultado do colapso do sistema de saúde.
Virgílio admitiu que os amazonenses estão morrendo em casa, por falta de atendimento médico. Entre os dias 12 e 19 de abril, 656 corpos foram enterrados em cemitérios da cidade: uma média de 82 sepultamentos por dia, frente aos 28 registrados na média de 2019. As valas comuns continuarão sendo construídas, mas a Prefeitura passou a orientar as famílias que optem pela cremação dos corpos de seus familiares.
Segundo os dados mais atualizados do Ministério da Saúde, o Amazonas tem 2.270 casos e 193 mortes em razão do novo coronavírus. Virgílio, porém, afirma não haver dúvidas de que os números reais são bem maiores. O pico da doença, acrescentou ele, com base em projeções de sua equipe técnica, está previsto para 15 de maio, embora a previsão de cenário bastante complicado se estenda até agosto.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista.
Como o senhor define a situação em Manaus agora?
Começou muito difícil, rapidamente virou emergencial e hoje eu diria que ela é completamente calamitosa. Estamos tentando contornar o caos funerário com a criação incessante de covas. Muitas famílias estão incomodadas com a falta de velório, daquela coisa tradicional, que tem a ver com a questão religiosa do país. Mas não pode agora. Quanto menos aglomerações, melhor.
Quantas valas estão sendo construídas?
Estamos fazendo valas, fazendo valas, cavando. Mas procurando manter a individualização, a questão do reconhecimento, para que cada família possa reconhecer, colocar um retrato, uma placa do seu ente querido que morreu.
Quem são as pessoas que estão sendo enterradas nessas valas comuns?
A Covid-19 pega qualquer um. Mas vamos, mais uma vez, admitir que ela está pegando mais em cheio quem tem menos capacidade de se defender. A doença parecia, entre aspas, democrática. Mas a letalidade maior, percebemos agora, tem uma relação com a renda. Há casas nas periferias em que moram oito, nove pessoas, o que facilita o contágio. E nós temos resistência à orientação de que as pessoas devem ficar em casa. E olha que não chegamos ao pico.
Quando será o pico?
Nossos estatísticos falam em 15 de maio. Eu tenho medo de que isso demore um pouco mais, por causa da resistência das pessoas com o isolamento. Tenho esperança de que consigamos logo aquilo que estamos pedindo: tomógrafos, remédios, equipamentos de proteção para os profissionais de saúde. A probabilidade é de chegarmos ao pico em 15 de maio, mas não quer dizer que no dia seguinte estaremos bem. Vamos amanhecer em 16 de maio com uma situação muito grave, que poderá se estender até junho ou agosto. Não temos sinal de achatar a curva, a curva continua ascendente. Não existe perspectiva de se imaginar uma economia aberta, por mais que seja lamentável a economia fechada. Mas mandar as pessoas para as ruas é uma irresponsabilidade que se compara a genocídio no caso de Manaus.
O sistema de saúde, então, colapsou, todos os leitos de UTI estão ocupados?
O sistema colapsou. E isso está se traduzindo na nossa realidade funerária. Estamos propondo cremação, é mais higiênico até. E temos muitos coveiros adoecidos com a Covid-10, em estado grave.
A subnotificação é uma realidade por aí também?
Se a gente fosse somar de verdade todas aquelas mortes de doenças que indicam que poderia ser a Covid-19, o número seria muito maior. Mas vou falar dos números oficiais. Tínhamos uma média de 20 a 30 enterros por dia nesta época, que é o nosso inverno, que propicia a propagação de vírus. A gente achou que tinha sofrido muito com o H1N1, mas não é nada comparável com o que estamos vivendo agora. Pulamos para 64 enterros por dia. Depois, para 88 e para 122. E notamos um número de mortes em casa, de pessoas que procuraram a assistência médica e deram com a cara na falência do sistema.
As pessoas estão morrendo à espera de leitos?
Estão morrendo à espera de leitos. Tive uma conversa muito sincera ontem com o Hamilton Mourão. Disse a ele que não tem a menor condição de reabrir economia aqui. Ele me ouviu.
O senhor acredita que haverá intervenção federal na saúde do estado?
Não tenho a menor ideia. Há um pedido da Assembleia Legislativa. Sei que as coisas que estou pedindo são para ontem. É essencial que venha pessoal nos ajudar, porque a gente ainda vai para o pior.
A situação da saúde já era precária antes da pandemia. Não deu para se preparem?
Sucessíveis governos foram enfraquecendo a Secretaria de Saúde. Essa interpretação de não ter se preparado é ingênua. Não sabemos nem mesmo quando começou tudo isso. Será que o primeiro caso foi mesmo o primeiro caso? Ou foi de alguém que morreu em casa e que achou que era uma gripezinha? Estamos trabalhando dia e noite, estamos nos virando. Estamos procurando manter ao máximo a coerência com o ajuste fiscal. Pedi ajuda ao G20, o Amazonas está pedindo socorro. E não se pode demorar. A gente tem que agir com a rapidez do coronavírus. O coronavírus é muito rápido, ele vai para cima para liquidar com o organismo. A assistência também tem que ser rápida e pronta.
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