ENTREVISTA: concentração de poder na PGR traz risco de corrupção, diz Roberto Livianu
Há 28 anos no Ministério Público do Estado de São Paulo, o procurador de Justiça Roberto Livianu, fundador do Instituto Não Aceito Corrupção, considera que há risco de a corrupção chegar ao topo do Ministério Público Federal caso haja uma concentração de poder. Em entrevista a O Antagonista, Livianu, um dos maiores estudiosos do país no assunto, criticou a atual proposta de criação da Unidade Nacional Anticorrupção, que juntaria e submeteria todas as forças-tarefas do país ao comando de uma pessoa escolhida pelo procurador-geral Augusto Aras...
Há 28 anos no Ministério Público do Estado de São Paulo, o procurador de Justiça Roberto Livianu, fundador do Instituto Não Aceito Corrupção, considera que há risco de a corrupção chegar ao topo do Ministério Público Federal caso haja uma concentração de poder.
Em entrevista a O Antagonista, Livianu, um dos maiores estudiosos do país no assunto, criticou a atual proposta de criação da Unidade Nacional Anticorrupção, que juntaria e submeteria todas as forças-tarefas do país ao comando de uma pessoa escolhida pelo procurador-geral Augusto Aras.
Livianu também vê com reservas a obtenção, pela PGR, de todas as informações da Lava Jato e faz duras críticas ao atual governo, que, para ele, não só descumpriu promessas de campanha de avançar com a agenda anticorrupção. “A atitude concreta é diametralmente oposta a isso”, diz.
Principal think tank do país dedicado ao estudo da corrupção, o Instituto Não Aceito Corrupção completa neste mês cinco anos de existência. “É apartidário, multidisciplinar, promove uma busca científica de soluções e procura mobilizar a sociedade, principalmente por meio da educação”, descreve Livianu.
Leia, abaixo, a entrevista completa:
O Antagonista – Como o sr. vê a recente ofensiva da PGR para obter todos os dados da Lava Jato, inclusive informações sigilosas de investigações ainda em andamento e que podem incluir delações em negociação?
Eu me filio – com todo o respeito, e ainda acho que está assegurado o respeito à livre manifestação – à nota lançada pela Transparência Internacional [a entidade classificou como ‘devassa autoritária’ o acesso irrestrito e indiscriminado aos dados pela PGR, o que ‘ameaça gravemente’ a autonomia de órgãos de investigação].
Penso que esses dados eram trabalhados pela força-tarefa e penso que houve certo exagero. Mas também há limites em relação a esse tema. Me reservo um pouco ao direito de entrar no âmago dessas questões, tenho limites à análise do mérito. Até onde eu posso dizer, me associo à nota que a Transparência Internacional publicou. Houve um pouco de exagero.
A força-tarefa da Lava Jato tem folha de serviços prestados ao país e merece reverência, porque o nível de recuperação de dinheiro é notável. Mas da maneira como as coisas são colocadas, percebo certo tom de demonização da força-tarefa.
Dentro da PGR, voltou com força uma discussão sobre o funcionamento das forças-tarefas, considerado precário do ponto de vista administrativo. Fala-se muito em criar uma Unidade Nacional Anticorrupção, que agregaria todas as forças-tarefas e centralizaria seu comando debaixo do PGR. O sr. considera que vai haver mais eficiência no combate à corrupção?
Os Gaecos [grupos especializados de combate ao crime organizado, que reúnem procuradores permanentemente dedicados a casos complexos] que existem nos MPs estaduais são importantes. Isso pode ser repensado numa discussão madura, tranquila e democrática, e não açodada [o Ministério Público Federal não tem uma estrutura permanente do tipo]. Mas não acredito em modificações da organização feitas de cima para baixo. Não penso que isso seja positivo. Fala-se na criação de uma Unidade Nacional Anticorrupção. A meu ver não é positivo termos uma concentração de poder no combate à corrupção. Desconcentrar é muito importante. Até porque quando você tem centenas de células do MP nas mais diversas localidades, isso é muito importante, porque um procurador deve se fixar numa comunidade. Ele estreita os laços com aquela comunidade, ele adquire confiança e seu trabalho se fortalece.
E o que acontece quando há uma concentração de poder no Ministério Público?
Lord Acton já nos ensinou no século 19 que o poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente. Quando você aumenta poder, você aumenta a corrupção. O procurador-geral da República foi escolhido a dedo sem respeitar uma lista.
Com todo respeito que tenho pelo procurador-geral, ele chegou ao cargo sem se submeter a um debate interno. Dez procuradores se submeteram, viajaram o país, debateram com os demais, se construiu lista tríplice e o Augusto Aras não se submeteu a esse escrutínio democrático. Apresentou seu nome diretamente ao presidente. A Constituição não determina isso, mas é procedimento recomendável à luz dos preceitos democráticos. E isso gera consequências à luz dos preceitos democráticos. Ouvir os membros do MP também é importante.
Agora, se for criada a Unac, [pelo desenho atual] vai ter todo o combate à corrupção concentrado numa única pessoa. E é bom lembrar que Aras também é advogado. E também pode ser nomeado ministro do Supremo em novembro. Tudo que se faz dentro da lógica da concentração de poder é ruim. O professor Robert Klitgaard esculpiu a equação célebre dos ingredientes do ambiente corrupto: excessiva concentração de poder (com muita discricionariedade em seu exercício), mercados monopolizados e opacidade. Essa situação é a típica situação do professor Robert Klitgaard. É um risco científico de corrupção, concentração excessiva de poder traz um risco de corrupção.
O sr. sugere a possibilidade de corrupção dentro do MP?
O MP é composto por seres humanos. Vivem neste mundo. Seres humanos são sujeitos a erros humanos.
O ex-ministro Sergio Moro diz que a agenda anticorrupção não foi encampada pelo atual governo. Além de não apoiar o pacote anticrime no Legislativo, o Executivo não vetou jabutis inseridos pelos deputados (como o juiz de garantias) e ainda tentou interferir na autonomia da PF. O Supremo, por outro lado, impôs derrotas ao enviar casos de corrupção para a Justiça Eleitoral e acabou com a prisão em segunda instância. O que fazer nessa situação?
Há outros casos. O que foi feito com Coaf [transferido do Ministério da Justiça para o Banco Central]. Retiraram o crime de caixa 2 do pacote anticrime. Houve várias propostas de vetos na nova lei de abuso de autoridade que foram ignoradas. São muitas coisas.
Esse governo não tem compromisso com o combate a corrupção. Ficou claro com a medida provisória 966 [que só permite responsabilizar nas esferas civil e administrativa gestores que agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro na pandemia]. Uma proposição pró-corrupção. Ela propõe a blindagem de agentes públicos corruptos, proteção dos agentes corruptos. A MP 924 propõe que não haja acesso a informação durante a pandemia. O Supremo derrubou.
Tem uma série de evidências de que não temos atitude plena de combate à corrupção. A atitude concreta é diametralmente oposta a isso. Os políticos praticam à luz do dia o caixa 2. Cadê a atitude de coibir o caixa 2 eleitoral? Zero. Esse governo não tem atitude de quem quer combater a corrupção, esse discurso de campanha não se concretizou. O Ricardo Salles [Meio Ambiente] tem condenação por improbidade administrativa, é investigado e está na mantido no governo. O ministro do Turismo [Marcelo Álvaro Antônio] é investigado por laranjal na campanha eleitoral e está mantido no governo. O Fabio Wajngarten [Secom] é investigado, por usar a caneta para mandar verba de publicidade para emissoras que contrataram a empresa dele. Não venha me falar em exemplo de honradez.
O Latinobarómetro emite informes periódicos e, no seu último, observa que, na percepção de 94% dos brasileiros, quem detém o poder no Brasil usa-o visando ao autobenefício. Esse é um dado estarrecedor. Significa que é difícil imaginar que o Congresso fará leis visando controlar ele mesmo.
O Congresso pode aprovar em breve a volta da prisão em segunda instância, mas está sendo costurado acordo para que valha só para crimes futuros.
Não pode ter jeitinho não. Cabe à imprensa mostrar que isso é palhaçada. Tomara que aprovem para todos os casos, isso é necessário. As pessoas não se dão conta da gravidade da execução da pena após quarto grau de jurisdição para a impunidade no Brasil. É uma fábrica de impunidade. No mundo não existe isso, de demorar 25 anos para julgar um processo para condenar alguém. Na França, nos EUA, na Alemanha, primeiro grau condenou, cadeia. No mundo democrático, primeiro ou segundo grau, cadeia. Cabe ao Congresso colocar o Brasil dentro do mundo civilizado.
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