Cure-se, Bolsonaro, inclusive de si próprio
Esperemos que Jair Bolsonaro se cure da Covid-19, sem maiores percalços. A cura, no entanto, não poderia dar margem a que o presidente da República a creditasse a um remédio -- a hidroxicloroquina -- cujo uso para a doença não é prescrito ou que ele passasse a menosprezar ainda mais a Covid-19 como "gripezinha". Mas ele já faz ambas as coisas ainda doente...
Esperemos que Jair Bolsonaro se cure da Covid-19, sem maiores percalços. A cura, no entanto, não poderia dar margem a que o presidente da República a creditasse a um remédio — a hidroxicloroquina — cujo uso para a doença não é prescrito ou que ele passasse a menosprezar ainda mais a Covid-19 como “gripezinha”. Mas ele já faz ambas as coisas ainda doente.
Se Bolsonaro sair completamente ileso da Covid-19, isso não cancela o fato de que mais de 60 mil brasileiros já morreram da doença. O número de mortes no país, costumeiramente apontado por bolsonaristas como sinal de que a Covid-19 não é assim tão grave, ultrapassa as 300 por milhão de habitantes. A continuar nesse ritmo, alcançaremos em breve a França, um dos países europeus mais atingidos pela pandemia. É importante enfatizar que a Covid-19 não substitui outras causas de falecimento, mas acrescenta defuntos à estatística de mortalidade. Por isso, é tolo dizer que gripe e acidentes de carro também matam, como se isso tornasse o vírus da doença menos perigoso.
O vírus da Covid-19 ainda não é inteiramente conhecido. Não se sabe se a doença deixa sequelas importantes ou se pessoas que foram infectadas podem sofrer novo contágio. Não existem remédios antivirais específicos e as vacinas estão sendo testadas — não é de se excluir, aliás, que elas tenham efeito limitado. Talvez a vacina contra a Covid-19 tenha de ser sazonal.
A doença também exibe comportamento estranho. O vírus parece ser customizado — age conforme as condições e o histórico de saúde do paciente. Ele mata mais comumente idosos e pessoas que apresentam comorbidades, mas também leva embora gente jovem e saudável. Cerca de 30% dos que faleceram de Covid-19 no Brasil têm menos de 60 anos e, dentre as vítimas fatais, muitos são os que não tinham doença crônica nenhuma. Boa parte dos que se curam têm de passar por longos períodos de tratamento em UTIs, e não há leitos suficientes para suportar uma explosão de casos, daí também a necessidade de isolamento social e uso de máscaras.
É espantoso que certas obviedades ainda tenham de ser repetidas a esta altura, mas é compreensível a impaciência geral e um certo grau de negação da realidade. Os países que enfrentaram lockdowns rigorosos podem sofrer uma segunda onda pandêmica e vêm tentando isolar os clusters de infecção que volta e meia surgem. O cidadão depara com essas informações e pode se perguntar “de que adianta, então?”. A resposta está na constatação de que nenhum deles enfrentou por tanto tempo uma curva ascendente de contágio como a do Brasil (os Estados Unidos não são modelo, uma vez que também vêm fazendo tudo errado, à exceção de alguns estados). Não há fim previsto para a curva maldita e, curiosamente, o platô de novos casos e mortes é encarado por autoridades nacionais como motivo para abertura, quando a verdade é que as medidas restritivas só podem ser levantadas no momento em que a taxa de transmissão é bem menor do que 1. Ou seja, quando um infectado transmite o vírus para menos de 1 pessoa, o que hoje ocorre em pouquíssimos estados brasileiros, e não em índices suficientemente seguros.
O dado incontornável é que se tivéssemos feito um lockdown severo durante dois meses, logo no início da pandemia, não estaríamos enfrentando uma situação tão angustiante de primeira onda contínua de Covid-19. A economia teria sofrido um golpe, é fato, as pessoas mais pobres teriam sofrido um baque, sem dúvida, mas hoje estaríamos seguros de que a transmissão do vírus havia sido controlada, com todos os benefícios advindos do lockdown. Não fizemos nada certo ou completamente certo e, agora, sofremos consequências ainda mais graves para a saúde geral e para a economia do país.
A Covid-19 de Bolsonaro é causa e consequência dele próprio. Está claro que o presidente contraiu a doença devido à sabotagem que promoveu contra o que a ciência preconiza. Que continue a fazer isso mesmo doente, insistindo em tripudiar sobre quem morreu e a menosprezar o pouco que já se sabe sobre a Covid-19, é ato indigno, para dizer o mínimo.
Cure-se, Bolsonaro, inclusive de si próprio.
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