Crusoé: Os crimes da areia
Material é mais raro do que parece — e sua extração ilegal enriquece o crime organizado em todo o mundo. No Brasil, montantes ilegais são bilionários
A maior milícia do Rio de Janeiro, comandada até o Natal passado pelo miliciano conhecido como “Zinho”, tinha um império de serviços legais e ilegais, para garantir a renda de seus membros na zona oeste da capital do estado e na baixada fluminense. Uma das atividades mais lucrativas era uma das menos lembradas: a sua milícia operava um areal na cidade vizinha de Seropédica, onde ele extraía o mineral ilegalmente para venda a depósitos da região. Nos cálculos da polícia, 90% dos areais da região, uma das maiores produtoras do país, estaria sob influência da milícia. Tandera, outro líder miliciano que ainda está solto, também tinha suas dragas por ali.
Seropédica é apenas um grão em um mercado ilegal que movimentou cerca de 29,2 bilhões de reais no Brasil em 2022, segundo estudo recente publicado pela Ação Contra os Crimes Ambientais, Minerais e Tráfico de Animais Silvestres (Accamtas).
O estudo mostra que a extração ilegal implica em perdas milionárias de arrecadação tributária em todas as regiões brasileiras — mas principalmente nas regiões Sudeste e Nordeste. Em todo o país, 68% da areia consumida tem origem ilegal.
O furto de areia é o terceiro tipo de crime transnacional mais lucrativo, atrás apenas da pirataria e do tráfico de drogas, calcula Luís Fernando Ramadon, policial federal e autor do estudo da Accamtas. Além dos crimes fiscais pelo contrabando do item — essencial para a construção civil moderna— as extrações ilegais e descontroladas do mineral compõem um risco grave ao meio ambiente, corrompendo mananciais, rios e bacias hidrográficas inteiras. Para um mundo que já se vê às voltas com o uso de combustíveis fósseis, a extração de 60 bilhões de toneladas de areia por ano, segundo a ONU, é um problema ambiental grave, que só em anos mais recentes começou a ter a devida atenção.
Areias e areias
Olhando o mapa-múndi, é até difícil imaginar que a Terra — com areia em desertos, praias e no fundo do mar — possa estar ficando carente disso. Para fins geológicos, todo grão entre 0.0625 mm e 2 mm de circunferência pode ser considerado areia (mais fino que isso, é lodo; mais grosso, é cascalho). Fruto da erosão de rochas por água e vento, os grãos são uma mistura de silício, quartzo, pedaços de conchas e, em volume crescente e preocupante, plástico. Em um processo de até meio bilhão de anos, escreve o geólogo britânico Michael Welland no livro Sand: A never ending story (“Areia, a história sem fim”, em tradução livre), esses grãos passaram por…
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