Ciro Nogueira ministro, o sonho de Severino Cavalcanti
"Quem o Severino pensa que é? Quem manda aqui sou eu". Em março de 2005, Lula reagiu assim ao ultimato dado pelo então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, que exigia a nomeação de seu pupilo Ciro Nogueira para o Ministério da Comunicações. Meses depois, Severino foi obrigado a renunciar ao cargo e ao mandato em meio ao escândalo do 'mensalinho da Câmara'. O "rei do baixo clero" morreu em julho do ano passado, aos 89 anos, sem ver realizado seu sonho...
“Quem o Severino pensa que é? Quem manda aqui sou eu”. Em março de 2005, Lula reagiu assim ao ultimato dado pelo então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, que exigia a nomeação de seu pupilo Ciro Nogueira para o Ministério da Comunicações.
Meses depois, Severino foi obrigado a renunciar ao cargo e ao mandato em meio ao escândalo do ‘mensalinho da Câmara’. O ‘rei do baixo clero’ morreu em julho do ano passado, aos 89 anos, sem ver realizado seu sonho.
Hoje, Ciro Nogueira finalmente chegou ao primeiro escalão do Executivo, topando o convite de Jair Bolsonaro para ocupar a Casa Civil. A nomeação sela o lucrativo casamento do Centrão com o atual governo, enquanto o presidente se prepara para sancionar um fundão eleitoral ao menos R$ 4 bilhões.
Ciro e Bolsonaro têm em comum a origem no baixo clero e uma produção parlamentar pífia: apenas dois projetos aprovados em quase 27 anos de sucessivos mandatos. Um deles prevê a identificação genética de condenados por crimes hediondos. Outro criminaliza condutas de incitação a automutilação.
Em 16 anos de Câmara, Ciro Nogueira apresentou 19 projetos de lei. No Senado, foram 140 propostas em oito anos, dentre elas a PEC que reduz a maioridade penal — uma das bandeiras de Bolsonaro.
Outra prevê que partidos possam pagar as multas eleitorais com o fundo partidário. “Não há dúvida de que os recursos do Fundo Partidário colocados à disposição dos partidos políticos pertencem a eles e devem poder ser aplicados em todos os gastos legítimos referentes ao seu funcionamento”, justifica.
Assim como o atual presidente, o senador do Piauí defende a família… na política. Quando deputado, chegou a nomear oito familiares em cargos de confiança em seu próprio gabinete ou de aliados.
Ao virar ministro, vai ceder o mandato de senador para a mãe, Eliane, sua suplente.
Ciro Nogueira foi casado por 25 anos com Iracema Portella, a quem ajudou a eleger deputada federal em 2010. No ano passado, a parlamentar foi denunciada pela PGR por rachadinha.
Ex-lulista, o novo ministro da Casa Civil não chegou ao cargo sem merecimento. Como líder do Centrão, mostrou fidelidade maior a Bolsonaro do que muitos bolsonaristas, votando em consonância com o governo em 95% das matérias. Na CPI da Covid, comanda a tropa de choque governista.
Em troca, tem sido beneficiado com emendas milionárias para seu estado, obras de infraestrutura e espaço incomum na máquina pública.
No ano passado, conseguiu a proeza de indicar seu conterrâneo Kássio Marques para o lugar de Celso de Mello no Supremo. Sem se constranger com as investigações das quais é alvo na Lava Jato, ostentou poder nas redes ao se referir ao novo ministro como “nosso Kássio”.
Ciro é alvo de duas denúncias criminais e três inquéritos que apuram suspeitas de suborno e distribuição de propinas.
Na mais recente, de 10 de fevereiro dede 2020, é acusado de receber R$ 7,3 milhões da Odebrecht para patrocinar interesses políticos da empreiteira, o que a defesa nega. Nas planilhas da propina, seu codinome era “Cerrado”.
Em outra denúncia, de junho de 2018, é acusado de tentar subornar uma testemunha para que ela alterasse depoimento prestado na investigação do chamado “quadrilhão do PP”. O caso está na Segunda Turma, com dois votos para torná-lo réu, mas foi suspenso após pedido de vista de Gilmar Mendes.
O novo ministro também é alvo de três inquéritos, ainda sem denúncia apresentada. Neles, é acusado de receber propina do Grupo J&F, da OAS e da Engevix.
Mas as investigações estão longe de incomodar Bolsonaro, ele mesmo ex-integrante do PP — mais parecem requisito para integrar o governo. Ontem, o presidente disse que perderia “quase metade do parlamento”, se afastasse de seu convívio parlamentares que são réus.
“Se eu afastar do meu convívio parlamentares que são réus, ou tem inquéritos, eu perco quase metade do parlamento. Eu sou réu no STF. Sabia disso? Eu não deveria estar aqui também. Então, acho que todos nós só somos culpados depois da sentença transitar em julgado. Se o Ciro ou qualquer outro ministro meu for julgado e condenado, obviamente você afasta do governo. Mas, no momento, é o que eu tenho para trabalhar aqui em Brasília. Essa é uma realidade.”
Essa é a realidade que Bolsonaro prometeu mudar quando eleito.
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