Análise: a calamidade moral
Jair Bolsonaro, com a aprovação pelo Congresso do estado de calamidade pública e outras medidas atrasadas do governo federal, corre atrás dos governadores e até de seu próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que acabaram ganhando mais...
Jair Bolsonaro, com a aprovação pelo Congresso do estado de calamidade pública e outras medidas atrasadas do governo federal, corre atrás dos governadores e até de seu próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que acabaram ganhando mais créditos do que o presidente, alvo de panelaço, pela reação à pandemia de coronavírus.
Nenhum deles insistiu em chamar de fantasia, histeria, neurose ou pânico a prudência diante dos riscos de uma doença que agora já matou mais de 10 mil pessoas no mundo.
De Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, decerto houve cálculo político em ir até além de sua alçada ao determinar a suspensão – que depende de autorização de agências reguladoras como a Anac – de viagens aéreas, terrestres e aquaviárias de origem de locais com circulação confirmada do coronavírus ou situação de emergência decretada.
Mas Bolsonaro mordeu a isca e reclamou que os governadores “estão tomando medidas”, em seu entender, “exageradas”, o que só fez o presidente parecer novamente menos firme que eles nos cuidados com a população e mais preocupado com a recuperação econômica durante seu mandato que com a saúde dos brasileiros.
“Fecharam o aeroporto do Rio de Janeiro. Não compete a ele, meu Deus do céu!”, disparou Bolsonaro, ao que Witzel respondeu que o governo federal está em “passo de tartaruga” e precisa fazer a sua parte. João Doria, de São Paulo, acrescentou: “Nós estamos fazendo o que ele deveria fazer como líder do país, mas não faz.”
Bolsonaro ainda encerrou sua videoconferência desta quinta-feira, 20 de março de 2020, dizendo que, “depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar”. Isso mesmo: “gripezinha”. Foi com esse diminutivo em sentido pejorativo que Bolsonaro se referiu à doença que, naquele momento, já tinha matado 11 brasileiros, de acordo com os registros oficiais, sendo que mais de 900 já haviam sido registrados como infectados.
Enquanto filhos, pais e avós se isolam e refugiam em casa, ou trabalham para manter o abastecimento e a saúde alheia, preocupados com um inimigo invisível, ou sofrem nos hospitais e até nas unidades de terapia intensiva, ou, pior ainda, choram pela perda de uma pessoa querida, o presidente posa de valente, de homem mais forte do que as vítimas que morrem com o coronavírus, desdenhando mais uma vez da doença.
Enquanto a chanceler alemã Angela Merkel dá um banho em Bolsonaro na TV, dizendo que o caso é sério, pedindo que a população leve a sério também, explicando a necessidade de sacrifícios e solidariedade para evitar perdas humanas, a claque bolsonarista tenta reforçar uma atrás da outra as acusações diversionistas da família do presidente contra os espantalhos da vez, para encobrir tamanhas irresponsabilidades.
Primeiro, o bolsonarismo acusou fraude no primeiro turno de 2018, sem exibição de provas; depois acusou a imprensa – e acabou atingindo a Fox News – por supostamente ter mentido sobre o resultado do exame de Bolsonaro que ele não detalhou nem mostrou; em seguida culpou a China pelo coronavírus e por escondê-lo, causando uma tensão diplomática que resultou em silêncio dos chineses até pedido satisfatório de desculpa de Eduardo Bolsonaro. Claro que, neste caso, a claque ainda aproveitou para rotular de defensor do comunismo quem apenas considera contraproducente um parlamentar, filho do presidente, responsabilizar, em rede social, por uma pandemia genocida em andamento, o governo do maior parceiro comercial do Brasil, fornecedor também de material para exames e de experiência na estabilização dos casos de infectados. A claque finge não entender que estar certo ou errado não é o problema, é a maneira inconsequente de agir contra uma potência, em momento sensível para a saúde do povo. Por fim, o bolsonarismo acusou uma jornalista de receber de salário mensal, alegadamente para atacar o governo, o valor total de seu contrato com uma TV paulista.
Bolsonaro, lamentavelmente, estimula esse estado de coisas, arranhando a imagem que lhe é tão cara. A calamidade moral bolsonarista agrava a calamidade pública do país.
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