Alexandre Soares na Crusoé: A extinção da burguesia que se choca
Antigamente a pessoa moralmente chocada se dizia chocada, mas essa inocência acabou. O chocado contemporâneo se sente obrigado a negar o próprio choque
Em sua coluna para a edição de 314 da Crusoé, Alexandre Soares Silva escreve sobre a reação da direita e da esquerda após o show da Madonna que aconteceu no sábado passado, 4, na praia de Copacabana.
Deus me livre falar do show da Madonna, que é uma notícia mais velha que a própria Madonna, mas achei graça da reação dos prafrentex. Guga Noblat passou a semana rodopiando de prazer enquanto imaginava evangélicos chocados:
“A família tradicional brasileira aplaude quando faz sinal de arminha, mas fica chocada quando faz sinal de prazer.”
(“Sinal de prazer” é algo tão mal-escrito que tenho vergonha até de citar, mas vamos em frente. E quem, nessa frase, está fazendo o “sinal de prazer”? A família brasileira faz o tal do sinal de prazer, e depois fica chocada consigo mesma? E ela se aplaudia por ter ela mesma feito o sinal de arminha? Fazia o sinal de arminha e logo em seguida o desfazia para se aplaudir? O que quer dizer isso tudo? O que aconteceu com a linguagem humana?)
Ruy Castro, que faz biografias dos outros e gradualmente destrói a própria, disse que se os bolsonaristas soubessem o quanto de sexo havia dentro dos motéis na época da sua juventude “não se chocariam com a Madonna”. É um argumento que não entendi muito bem, até porque muitos tios e tias bolsonaristas estavam nesses motéis fazendo sexo nessa época, não era só a turma do Pasquim; mas reproduzo para provar a tendência da esquerda de imaginar adversários eternamente chocados.
Em resposta a isso, muitos conservadores, reacionários e direitistas que sigo no Twitter e no Instagram se limitaram a bocejar e a dizer que não estavam chocados, longe disso: estavam entediados. Como não conheço todos, pode ser que estivessem mesmo entediados. A categoria “artistas” costuma produzir de fato um desfile um tanto monótono das mesmas transgressões de sempre, desde a República de Weimar até hoje, ou se calhar desde o Marquês de Sade. E são transgressões a regras que já caíram faz tempo, como alguém que se achasse ousado por entrar sem gravata em um restaurante em que as pessoas entram de chinelo desde os anos setenta.
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