A costura do governo para elevar o poder sobre a Petrobras
Auditoria do TCU mostrou que membros do Ministério de Minas e Energia foram nomeados de maneira irregular para secretarias da petrolífera
O Tribunal de Contas da União (TCU) deve instaurar uma investigação para verificar se o governo de Lula ignorou as orientações dos comitês internos e do conselho de administração da Petrobras ao indicar dois secretários do Ministério de Minas e Energia (MME) para o conselho da estatal. Uma auditoria confidencial da unidade especializada em petróleo, gás natural e mineração (AudPetróleo) do órgão revelou irregularidades nas nomeações para altos cargos da Petrobras nos primeiros meses do governo Lula, sob a liderança de Jean Paul Prates.
De acordo com o jornal O Globo, o foco da investigação foram as escolhas dos nomes de Pietro Mendes, que é secretário de Petróleo, Gás e Biocombustíveis do MME, e do ex-secretário-executivo Efrain Cruz.
Concluída em maio e apresentada à Petrobras, a análise realizada pelos técnicos do TCU revelou que a seleção de Mendes e Cruz ignorou um parecer do Comitê de Pessoas da empresa, que afirmava que os secretários não poderiam ser conselheiros devido ao desempenho de funções no Ministério de Minas e Energia. Esse parecer foi aprovado pela maioria dos membros do Conselho de Administração em duas reuniões em março de 2023, logo antes da assembleia-geral ordinária que definiria a nova composição do colegiado no terceiro mandato de Lula.
Aquele jeitinho
Apesar das controvérsias, ambos foram escolhidos como conselheiros devido ao voto decisivo do representante da União no conselho, o procurador da Fazenda Nacional, Ivo Cordeiro Timbó.
Timbó apresentou um parecer jurídico redigido pelo próprio Ministério de Minas e Energia que apoiava a elegibilidade de Pietro Mendes e Efrain Cruz, desconsiderando as normas internas da Petrobras e a legislação vigente. Mesmo com a oposição do Conselho de Administração e do Comitê de Pessoas, essa argumentação prevaleceu, uma vez que a União é a acionista majoritária da empresa estatal.
“Para permitir a concretização da eleição desses indicados, o representante da União, a controladora da Petrobras, desconsiderou a opinião do CA [Conselho de Administração] da Petrobras no sentido de considerá-los inelegíveis”, afirmam os técnicos do TCU em um trecho da auditoria.
A nomeação foi articulada pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que garantiu uma maioria no conselho, enquanto o CEO escolhido por Lula, Jean Paul Prates, liderou a diretoria executiva. A rivalidade entre os dois por influência e espaço na empresa se estendeu até a saída de Prates, em maio deste ano.
Imparcialidade necessária
O conflito de interesses surge porque, na condição de secretários do ministério, Pietro e Efrain são responsáveis por desenvolver políticas públicas que impactam diretamente os negócios da Petrobras. Apesar de ser controlada pela União, a empresa conta com milhares de acionistas privados que podem ter interesses distintos dos do governo atual. Assim, enquanto secretários, eles devem alinhar suas decisões aos interesses do governo, mas, como conselheiros, têm a responsabilidade de atuar em favor da companhia.
“Embora deva existir uma convergência entre as políticas públicas elaboradas pelo MME e o interesse público perseguido pela Petrobras, ante o que dispõe o art. 8º, §1º, da Lei das Estatais, não se pode esquecer que a persecução de tal interesse pode significar impor à estatal obrigações e responsabilidades distintas daquelas que incidam sobre qualquer outra empresa do setor privado em que atua. Dentro desse contexto, é possível que, em muitas situações, o interesse público representado por um agente que está inserido na estrutura de governo pode conflitar com o interesse público da Petrobras”, define o relaório.
Os auditores ainda apontam que Mendes e Cruz se autodeclararam como “independentes” na fase de avaliação para a indicação ao posto de membros da alta cúpula da Petrobras – “definição que a empresa acatou sem qualquer questionamento”.
O estatuto da Petrobras determina que 40% dos membros do Conselho de Administração devem ser independentes, ou seja, sem vínculos com a União ou a gestão da companhia. Contudo, os dois secretários do MME mantiveram essa condição até 2024, mesmo com o TCU já investigando possíveis irregularidades nas nomeações. Cruz foi demitido em janeiro e deixou o conselho da empresa, enquanto a classificação de Mendes foi alterada para “não independente”.
A auditoria enfatiza que era responsabilidade da estatal garantir que a autodeclaração de independência dos candidatos estivesse em conformidade com seus históricos profissionais, de acordo com as normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), algo que, aparentemente, não foi realizado.
Victor Saback
Haverá também a abertura de uma investigação sobre possíveis violações da Lei das Estatais envolvendo a recente eleição de Victor Saback, atual secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia, para o Conselho de Administração da Petrobras.
Diferente dos casos de Mendes e Cruz, Saback não ocupava o cargo de secretário no momento de sua indicação para o colegiado. Ele foi nomeado apenas 15 dias após essa indicação e, portanto, já exercia a função quando foi efetivamente eleito durante a assembleia de acionistas.
Os auditores destacam que, dado o cronograma da nomeação para o Ministério de Minas e Energia, não houve tempo suficiente para realizar as análises necessárias que poderiam identificar potenciais conflitos de interesse que impediriam sua escolha como conselheiro. Essa situação levanta questionamentos sobre a conformidade do processo de seleção e a aplicação das normas vigentes.
Saback também foi designado como conselheiro independente de Administração, embora não tenha se autodeclarado dessa forma ao submeter seu nome ao processo eletivo. A auditoria ressalta que essa classificação chegou a constar no site da Petrobras. A companhia, por sua vez, afirma que o cargo foi corrigido neste ano, assim como no caso de Pietro Mendes.
Prerrogativa do TCU
A responsabilidade de decidir sobre a abertura de investigações agora recai sobre o plenário do TCU, que é composto por nove ministros. Essa auditoria faz parte de um acompanhamento mais amplo realizado pela corte em relação à Petrobras, sob a supervisão do relator Benjamin Zymler.
O parecer da equipe técnica também aponta para uma série de inconsistências nas nomeações feitas pelo então CEO Jean Paul Prates para a alta direção da empresa. Entre as irregularidades mencionadas, destacam-se a escolha de dois diretores que já eram funcionários da companhia, desconsiderando critérios meritocráticos internos. Além disso, foi feita uma análise favorável à indicação de um candidato que não estava na lista tríplice da Diretoria de Gestão e Compliance. Embora esse candidato tenha sido avaliado por uma empresa de recrutamento, ele acabou não sendo nomeado.
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