Trump, a revolução do senso comum e o fim da cultura woke

14.02.2025

logo-crusoe-new
O Antagonista

Trump, a revolução do senso comum e o fim da cultura woke

avatar
Catarina Rochamonte
6 minutos de leitura 03.02.2025 11:17 comentários
Análise

Trump, a revolução do senso comum e o fim da cultura woke

Donald Trump está acabando com as políticas DEI. É a revolução do senso comum. O problema é que a direita populista, nacionalista, iliberal, representada por Trump não é propriamente uma direita dotada de bom senso

avatar
Catarina Rochamonte
6 minutos de leitura 03.02.2025 11:17 comentários 7
Trump, a revolução do senso comum e o fim da cultura woke
Reprodução

O wokismo como cultura dominante progressista chegou ao fim com a contrarrevolução de Trump, é o que escreve Benedict Neff, analista político suíço, em seu artigo no Neue Zürcher Zeitung (NZZ).

Ao analisar a chamada “revolução do senso comum”, proclamada pelo presidente americano em seu discurso inaugural, o jornalista explica: “o que ele quer dizer com isso é que existem apenas dois gêneros e que as pessoas devem falar como quiserem — “liberdade de expressão“. Parece simples. E é. O senso comum não é muito exigente.

Por uma feliz coincidência, acabo de ler um divertido e interessante texto “entrevista com o senso comum”, escrito por Luiz Felipe Pondé.

Ao ser questionado por Pondé sobre o que considerava mais importante na sua vida, o senso comum respondeu: “minha família, que meus filhos não usem drogas e Deus”. Eis a chave do imbróglio político da atualidade e o motor que impulsiona a tal polarização.

Se a esquerda raiz já atacava a família – Marx e Engels a veem apenas como uma instituição burguesa voltada para a manutenção da propriedade privada – e Deus – A religião é ópio do povo – a nova esquerda pós-moderna e pós-marxista, conceitualmente nutrida por Marcuse, Foucault, Judith Butler, etc escancara essa guerra contra os valores morais de maneira chocante para o senso comum.

Um ponto importante, abordado também por Pondé em artigo anterior ao supracitado, é que essa esquerda nutella woke pretende “criar um novo senso comum”, o que é obviamente absurdo uma vez que “o senso comum não é algo que a engenharia social, paradigma da esquerda, consegue fazer acontecer”.

Esse anseio paradoxal e impossível de criar um novo senso comum explica parcialmente o alto grau de autoritarismo da militância woke.

Aceitar que um indivíduo adulto opte por tomar hormônios e fazer uma cirurgia para mudar de sexo sem se intrometer na sua vida nem condená-lo por viver assim não é mais suficiente. Você deve acreditar que esse indivíduo realmente mudou de sexo; pensar o contrário seria indicativo de intolerância e transfobia; expressar o que você pensa e acredita acerca disso pode lhe render processo e até cadeia.

Educar as crianças para esse novo mundo onde há mais gêneros do que cores do arco-íris é fundamental nesse processo de engenharia social; se você não acha que seus filhos devem ser educados nesse fantástico mundo de Bobby, prepare-se, seu reacionário homofóbico transfóbico de extrema direita, para ter problemas com o Estado e com seus amigos mais despertos (wokes).

Foi por se contrapor duramente a essa situação distópica que Trump assegurou, mais uma vez, a sua vitória, o que é um forte indicativo, segundo o jornalista suíço do NZZ, de que o Woke como cultura ocidental dominante chegou ao fim.

Benedict Neff lembra que “o antecessor de Trump, Joe Biden, assumiu o cargo em 2021 para formar o gabinete mais diverso da história americana e seu primeiro decreto foi sobre justiça social e equidade em relação às minorias. A ideia de que a sociedade deveria se tornar mais inclusiva, diversa e sensível parecia imparável no Ocidente. Isto foi considerado um progresso por excelência”.

Pesquisas mostravam, porém, que a maioria da população (o tal senso comum) ficava cada vez mais desconfortável com as proibições de pensar e falar que inevitavelmente acompanhavam o avanço das políticas afirmativas. Mesmo assim, os democratas continuaram enfiando goela abaixo da sociedade os valores DEI (diversidade, equidade e inclusão).

Um número cada vez maior de pessoas foi entendendo que essas políticas, que retoricamente afirmavam buscar a libertação das minorias, “na verdade as limitava à sua identidade, a categorias como origem, cor da pele e gênero”.

Donald Trump está acabando com as políticas DEI. É a revolução do senso comum. O problema é que a direita populista, nacionalista, iliberal, representada por Trump não é propriamente uma direita dotada de bom senso, mas uma direita que tende, também ela, a se contrapor a algo muito comum, genuíno e espontâneo: a compaixão, por exemplo.

Dentre as suas inúmeras medidas duríssimas contra imigrantes, destaca-se como particularmente desumana o ter encerrado o status de proteção temporária (TPS, na sigla em inglês), para mais de 300 mil venezuelanos nos Estados Unidos, que devem ser deportados para voltar a sofrer os horrores da ditadura de Maduro nos próximos meses.

Ao comprar a briga contra a cultura woke, Trump conseguiu votos e apoio daqueles que já estavam exasperados com o avanço da agenda delirante e intolerante da esquerda progressista. Sob esse aspecto, Trump parece ter sido um mal necessário para frear as pretensões de uma esquerda que levou seus erros longe demais.

Considerá-lo um mal necessário para o momento, porém, é diferente de fazer dele um ícone, um ídolo, um grande símbolo da liberdade, tal como o faz a direita brasileira, que o adora como novo mito.

Foi vexatória e patética a excursão de parlamentares brasileiros de direita para os Estados Unidos, primeiro no dia da eleição, depois no dia da posse.

Mas também foi e é vergonhosa, pelo motivo oposto, a cobertura da imprensa progressista sobre qualquer coisa que diga respeito a Trump. A imprensa não preciso idolatrá-lo nem demonizá-lo, mas acompanhar com atenção e senso crítico suas decisões.

Para voltar a citar o já referido artigo do NZZ, parece que “o momento está com Trump.”

Lembra Benedict Neff que, “Para Goethe, o zeitgeist era a predominância de um lado que assumia o controle da multidão e fazia o que tinha que fazer por um tempo, enquanto o outro lado tinha que se esconder. Mas em algum momento o zeitgeist muda novamente…

A cultura woke tende a cair em ruína sob o peso do seu próprio absurdo. Resta saber que outro erro absurdo tomará o seu lugar a fim de resistirmos também a ele.

  • Mais lidas
  • Mais comentadas
  • Últimas notícias
1

A trégua entre PCC e CV

Visualizar notícia
2

STF lança programa “Pena Justa”

Visualizar notícia
3

Gilmar dá seu pitaco sobre a Lei da Ficha Limpa

Visualizar notícia
4

EUA citam falta de reciprocidade do Brasil sobre etanol

Visualizar notícia
5

Milei dá nova lição ao Brasil

Visualizar notícia
6

Mais uma lição de Milei ao Brasil

Visualizar notícia
7

“Rei da rachadinha”, diz Paes a Flávio

Visualizar notícia
8

Com gringos, Barroso não recorre ao infame “Perdeu, Mané”

Visualizar notícia
9

Assessores de Janja e os 4 salários mínimos em diárias de viagem

Visualizar notícia
10

Gleisi sentiu relatório da Transparência Internacional

Visualizar notícia
1

Assessores de Janja e os 4 salários mínimos em diárias de viagem

Visualizar notícia
2

Mais uma lição de Milei ao Brasil

Visualizar notícia
3

Crusoé: Gleisi clama por mais uma nota da comunidade

Visualizar notícia
4

"Não há muita razão para temermos", diz Haddad sobre tarifas dos EUA

Visualizar notícia
5

Líder da oposição sobre regulação das redes: "Não vamos deixar passar"

Visualizar notícia
6

Alemanha: afegão requerente de asilo atropela dezenas em Munique

Visualizar notícia
7

Com gringos, Barroso não recorre ao infame “Perdeu, Mané”

Visualizar notícia
8

México ameaça processar Google por ‘Golfo da América'

Visualizar notícia
9

Líder da oposição questiona 'apagão de dados' da Previdência

Visualizar notícia
10

PF: desvio de emendas tinha contrato e até nota fiscal

Visualizar notícia
1

Governo Biden acusado de desviar US$ 20 bilhões: “ponta do iceberg”

Visualizar notícia
2

A trégua entre PCC e CV

Visualizar notícia
3

Trump vai propor corte na produção de armas nucleares à Rússia e China

Visualizar notícia
4

Milei dá nova lição ao Brasil

Visualizar notícia
5

Até onde vai a investigação sobre emendas?

Visualizar notícia
6

Gleisi sentiu relatório da Transparência Internacional

Visualizar notícia
7

“Rei da rachadinha”, diz Paes a Flávio

Visualizar notícia
8

“Não há muita razão para temermos”, diz Haddad sobre tarifas dos EUA

Visualizar notícia
9

EUA citam falta de reciprocidade do Brasil sobre etanol

Visualizar notícia
10

Vereadora pede cassação de Pavanato por “violência de gênero”

Visualizar notícia

Assine nossa newsletter Inscreva-se e receba o conteúdo do O Antagonista em primeira mão!

Tags relacionadas

Donald Trump wokismo
< Notícia Anterior

Crusoé: Cresce pressão contra agência da ONU em Gaza

03.02.2025 00:00 4 minutos de leitura
Próxima notícia >

Em São Paulo, Bolsonaro participa do velório de Bispa Keila

03.02.2025 00:00 4 minutos de leitura
avatar

Catarina Rochamonte

Professora e escritora, com graduação, mestrado e doutorado em Filosofia, e pós-doutorado na área de Direito.

Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.

Comentários (7)

João Bento Corrêa Lima

11.02.2025 14:09

Excelente artigo!


Jorge Alberto da Cunha Rodrigues

04.02.2025 13:24

O repúdio de parcela expressiva da sociedade americana ao identitarismo e cultura woke precede a eleição do Trump. O boicote às empresas americanas que sucumbiram a tais pragas é uma das armas mais eficazes. Por isso, muitas empresas foram obrigadas a abandoná-las ou ao menos atenuá-las. Contudo, nas universidades americanas as pragas ainda persistem. No Brasil as teses identitárias e da cultura woke estão presentes, entre outras instituições, nas universidades públicas, parcela expressiva do Judiciário e na imprensa mainstream (sendo a Folha de São Paulo um exemplo emblemático). A sociedade brasileira deve seguir o exemplo da americana e também passar a repudiar essas pragas altamente nocivas.


mario de faria gomes

04.02.2025 11:13

Excelente matéria, achei que este trecho define a reação do senso comum, “na verdade as limitava à sua identidade, a categorias como origem, cor da pele e gênero”. Tanto que mesmo as minorias votaram em Trump e lhe deu a vitória esmagadora.


Washington

03.02.2025 13:56

O wokismo avança muitas vezes em extravagâncias e bizarrices; porém, o trumpismo - cruel, xenófobo, racista, perverso - é muito pior.


DUILIO RIBEIRO BARBOSA

03.02.2025 12:52

Artigo excelente! Obrigado. Gostaria de ler "Trumps Konterrevolution", de Neff, mas infelizmente não falo/leio Alemão e não consegui encontrar uma versão do artigo, em uma língua que me seja acessível.


lui

03.02.2025 12:00

Perfeito, Catarina.


Clayton De Souza pontes

03.02.2025 11:52

Enquanto isso, vemos o avanço identitário por aqui, com o estabelecimento de cotas para trans em alguns concursos públicos. Qual a prioridade de cotas para esses diversos cotistas?


Torne-se um assinante para comentar

Notícias relacionadas

Com gringos, Barroso não recorre ao infame “Perdeu, Mané”

Com gringos, Barroso não recorre ao infame “Perdeu, Mané”

Ricardo Kertzman Visualizar notícia
Mais uma lição de Milei ao Brasil

Mais uma lição de Milei ao Brasil

Rodolfo Borges Visualizar notícia
Assessores de Janja e os 4 salários mínimos em diárias de viagem

Assessores de Janja e os 4 salários mínimos em diárias de viagem

Ricardo Kertzman Visualizar notícia
Crusoé: STF e oposição instrumentalizam visita de relator da CIDH

Crusoé: STF e oposição instrumentalizam visita de relator da CIDH

Duda Teixeira Visualizar notícia
Icone casa

Seja nosso assinante

E tenha acesso exclusivo aos nossos conteúdos

Apoie o jornalismo independente. Assine O Antagonista e a Revista Crusoé.