Tiririca estava errado: pior do que está, fica
Há uma pequena parcela da sociedade, chamada de elite, que poderia ajudar no enfrentamento deste desastre em curso
Eu ganho pouco, trabalho muito e vivo mal. Ou enfrento horas em ônibus e trens lotados, ou fico outras tantas horas preso em congestionamentos bizarros, em um carro que só me dá problemas para ir e vir – de casa para o trabalho – e vice-versa. Pior. Tenho de pagar mais de seis reais por um mísero litro de gasolina.
Minha cidade está suja, poluída, violenta e lotada de moradores de rua. Os comércios estão degradados, os prédios antigos, abandonados, a iluminação é precária e o emaranhado de fios dependurados em postes, atravessando ruas e avenidas, emporcalhando o horizonte, lembram as megalópoles mais pobres do mundo.
Pago impostos acachapantes, levo multas o tempo todo, sou humilhado por prestadores de serviços diversos que, ou me atendem mal e porcamente, ou simplesmente desligam o telefone na minha cara. E quando preciso de um serviço público, principalmente presencial, a história é a mesma: burocracia, má vontade e precariedade.
Stress pouco é bobagem
Este é o retrato do cotidiano da maioria absoluta da população brasileira. E quando digo absoluta, acreditem, é fato. Segundo dados oficiais, cerca de 60% dos brasileiros vivem com até um salário mínimo por mês. Atenção: “até” – pode ser menos do que isso. E quase 90% da população recebem menos de 3.5 mil reais mensais.
Ser rico ajuda, é claro, mas como muito bem diz o ditado, “o dinheiro não compra tudo”. Boa parte dos transtornos cotidianos não exclui os endinheirados do país – ainda que enfrentem tudo com menos desconforto e mais segurança. Lado outro, pagar duas, três vezes pelo mesmo serviço mal prestado, gera ainda mais irritação.
Acordar e ir dormir, emocionalmente bem, são, portanto, tarefas bem difíceis para o “brasileiro médio”. E querer que este mesmo pobre coitado não esteja completamente contrariado com tudo o que emana do Poder Público, é exigir muito de quem já não tem quase nada para dar, pois lhe foi retirado quase tudo.
Senta, que ainda piora
A má notícia é que este quadro tende a piorar – pelo menos em curto e médio prazos. O Brasil continua sua trajetória de escolhas políticas nada alvissareiras, e as novas tecnologias tendem a exigir menos mão de obra, diminuindo a oferta de empregos, e maior qualificação profissional, que depende de educação de qualidade.
Sem respostas eficazes do Poder Público – e não há nada que sinalize que virão -, a tendência é, cada vez mais, o surgimento de outsiders (e nem tão “out” assim) políticos messiânicos, via de regra agressivos e autoritários, investindo na desmoralização das instituições (já em frangalhos) e no rompimento com o tal “sistema”.
O retumbante fracasso do lulopetismo, depois de 14 anos no poder, deixando como saldo de Dilma Rousseff um país destroçado economicamente, corrompido até o último fio de cabelo e cada vez mais intolerante e incrédulo com o Estado, abriu as portas para um novo mundo na política, onde, ao contrário do que diz Tiririca, pior, fica.
Nós x Eles
Os parlamentos, em todas as esferas (municipal, estadual e federal), colecionam políticos que atuam única e exclusivamente como incendiários. Projetos, propostas, debates? Sem chance! Apenas tiro, porrada e bomba. Obviamente, nos outros, ou “eles”, como ensinou o atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.
Sim, foi ele, já antes da campanha presidencial de 2002, que inaugurou o odiento “nós x eles”, que nos trouxe até este estado lastimável de coisas. O bolsonarismo foi tão somente a resposta oposta, e tão extremada e odienta quanto. O diabo, porém, é que tanto o lulopetismo como o bolsonarismo parecem estar ficando para trás.
Ao que tudo indica, Pablo Marçal é a “evolução da espécie”. É a versão 3.0 – e impulsionada – do populismo messiânico antissistema. Em seu favor pesam know how atualizado e dinheiro abundante, vindo de fontes suspeitas. Aliás, se tais suspeições forem verdadeiras, sairão mensaleiros e rachadores e entrarão profissionais do crime organizado.
Responsabilidades não assumidas
Há uma pequena parcela da sociedade, chamada de elite, que poderia ajudar no enfrentamento deste desastre. Contudo, ou não está disposta ou está muito ocupada com seus próprios problemas. Quem sabe associou-se ao que está em curso? Cazuza já dizia: “Transformam o país inteiro num puteiro, pois assim se ganha mais dinheiro”.
A imprensa, em especial, tem papel relevante neste debate, e deveria ser o agente modulador do jogo. Mas, infelizmente, as redações e os grandes jornalistas – com raríssimas exceções – estão mais preocupados em guerrear ideologicamente, ou ganhar seus tostões, do que ao menos tentar instruir, informar e alertar.
Considero-me, e a este O Antagonista, tais exceções, o que, confesso, é árduo. Ser diuturnamente chamado de isentão e outras bobagens, cansa. Combater algo tão grande, poderoso e crescente, idem. Somado ao difícil cotidiano que descrevi acima, é pior ainda. Mas é o lugar que quero estar. É a batalha que escolhi lutar.
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