Tiozões do STF ignoram prejuízos a 20 milhões de censurados
Enquanto isso, Elon Musk continua bilionário, livre e tuitando
Os tiozões da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) e seus porta-vozes na TV ignoram que o X é também banco de dados de 20 milhões de brasileiros, impedidos de acessá-los desde a decisão de Alexandre de Moraes, na sexta-feira, 30 de agosto, de suspender a rede social no país.
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Isto inclui seguidores conquistados, listas nacionais e internacionais de contatos feitos e acompanhados para fins pessoais e profissionais, histórico de conversas privadas, textos, fios, imagens, vídeos, edições e demais conteúdos elaborados em até 16 anos, desde 2008.
Fosse o X um banco de dinheiro, seriam 20 milhões de brasileiros sem acesso à própria grana, como ficaram outro dia mesmo, em 1987, ainda mais brasileiros, em razão do inédito confisco de contas bancárias e poupança por 18 meses, no Plano Brasil Novo, da então ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello. Chegamos, agora, à era do confisco virtual?
Considerando a multa imposta a quem acessar a rede social por “subterfúgios tecnológicos, como o uso de VPN, entre outros”, a dona Maria precisa pagar 50 mil reais para resgatar uma receita de pudim que compartilhou em 2017 e um jornalista sem correspondentes no exterior precisa pagar 50 mil reais por dia para copiar uma década de seus comentários, se quiser reuni-los em um livro de 50 reais cada um.
A decisão de Moraes de punir todos os cidadãos do Brasil que usam o X para divulgar seu trabalho, interagir com pessoas distantes, captar informações, dar e receber dicas, reclamar de seu time e desabafar foi levada pelo ministro para análise não do plenário, onde poderia sofrer objeções dos dois colegas indicados por Jair Bolsonaro, mas da Primeira Turma, onde garantiria os votos de três indicados por Lula: Cristiano Zanin, Flávio Dino e Cármen Lúcia, a fiel escudeira de Gilmar Mendes, cujo ex-sócio, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, também indicado por Lula, já havia sido favorável à suspensão do X.
Até maio de 2023, Moraes reclamava da falta de atenção de Lula, mas ambos se uniram quando o presidente indicou, no fim daquele mês, dois aliados do ministro ao TSE. Desde então, Moraes participa de churrascos, almoços e jantares com a cúpula do governo, um deles, inclusive, depois da decisão de sexta-feira.
Já aquela Cármen Lúcia que, em 2015, falava diretamente “cala a boca já morreu”, em defesa da publicação de biografias não autorizadas, deu lugar à ministra que afetou preocupação, mas endossou, em 2022, a censura de um documentário bolsonarista, alegando “vejo isso como uma situação excepcionalíssima”, excepcionalidade agora estendida a 20 milhões de pessoas, sob novos malabarismos retóricos.
O método de Cármen, usado em três parágrafos de seu voto genérico, é dizer que a decisão de Moraes não é ainda mais troglodita do que é, para então fazer parecer que não é troglodita.
- Moraes não proibiu “o aproveitamento de toda e qualquer categoria de ferramenta tecnológica legitimamente utilizada para acesso a serviços digitais, como VPN… O que se está a sujeitar…”
- “Não se está estabelecendo presunção de ilegitimidade da conduta de quem quer que seja no uso de ferramenta tecnológica, desde que…”
- “Não se baniu empresa no Brasil, não se excluiu quem quer que seja de algum serviço que seja legitimamente prestado e usado. Exigiu-se…”
Ou seja: passamos do “sou contra censura, mas…”, para “não é uma censura tão grande assim, ok?” Vale ler o respectivo complemento das três frases acima, para avaliar qual insulta mais a inteligência dos prejudicados:
- “….O que se está a sujeitar a medidas pecuniárias por descumprimento da decisão é a utilização ilegítima de ferramenta tecnológica para a específica finalidade de fraudar a decisão judicial relativamente ao acesso ao X, enquanto durar a suspensão.”
- “…desde que por qualquer conduta nesse sentido não se busque fraudar, contornar ou atingir a finalidade ilegítima de acessar empresa suspensa de atuar…”
- “Exigiu-se o cumprimento do Direito em benefício de todas as pessoas, por todas as pessoas naturais ou jurídicas, nacionais e não nacionais.”
Ou seja: 20 milhões de brasileiros, que não são parte no inquérito sem fim nem fundo de Moraes, agora são potenciais fraudadores, sujeitos a medidas pecuniárias, se adorarem a conduta ilegítima de acessar seu histórico de conquistas e realizações virtuais, num app do próprio celular. Nunca uma busca saiu tão cara para dona Maria, coitada. Nunca a propriedade intelectual, os direitos autorais de qualquer produtor de conteúdo, foram tão vilipendiados. Ainda bem que foi “em benefício de todas as pessoas”. Ufa. Já imaginou se não fosse?
O único a fazer “ressalvas de que a decisão referendada não atinja pessoas naturais e jurídicas indiscriminadas e que não tenham participado do processo, em obediência aos cânones do devido processo legal e do contraditório”, foi Luiz Fux, ainda assim em voto displicente de um parágrafo só, que nem sequer detalha quais seriam seus efeitos práticos.
Na ressalva das ressalvas, Fux acrescentou de modo ambíguo: “salvo se as mesmas [pessoas] utilizarem a plataforma para fraudar a presente decisão, com manifestações vedadas pela ordem constitucional, tais como expressões reveladoras de racismo, fascismo, nazismo, obstrutoras de investigações criminais ou de incitação aos crimes em geral”. Se não cometermos crimes, portanto, podemos acessar a rede, na visão do ministro? Ou acessar nossos próprios dados e conteúdos seria, também, uma fraude, como impôs o tiozão Moraes (que tende a ignorar o colega ao redigir o acórdão)?
“Ademais, tratando-se de tutela provisória, reservo-me o direito à reanálise da questão quando da apreciação do mérito”, concluiu Fux, como quem promete dedicar mais tempo ao caso lá na frente, enquanto 20 milhões de brasileiros ficam prejudicados agora, reconstruindo do zero seu patrimônio social em outras redes, e o proclamado alvo da decisão, Elon Musk, continua bilionário, livre e tuitando.
Para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que, pelo menos, contestou a imposição de multa por acesso ao X, o STF criou um “ilícito civil e penal ao arrepio da lei e sem o competente processo legislativo, desconsiderando ainda as garantias processuais e o direito ao devido processo legal que deve reger o processo judicial”.
“A previsão de uma conduta como proibida deve ser feita, necessariamente, por meio de lei formal, após o devido processo legislativo, em estrita obediência aos postulados da legalidade e da reserva legal”, afirmou a OAB.
Moraes deveria obedecer aos postulados da legalidade e a pressupostos da democracia, como a separação dos Poderes, antes de exigir que os outros obedeçam a suas decisões, cumpram ordens de censura e paguem o preço da desobediência e do descumprimento.
O ministro ainda acusou a rede social daquilo que ele próprio faz: “instituir um ambiente de ‘terra sem lei’… inclusive durante as eleições municipais de 2024”. Sem conseguir derrubar perfis inteiros de ativistas que vulgarizam a crítica a ele próprio, Moraes bloqueou a principal praça pública do país, interferindo mais do que ninguém no ambiente eleitoral. Considerando a força da direita no X e a aliança do ministro com Lula, não se pode descartar que as recusas de Musk foram o pretexto ideal para uma interferência duplamente conveniente.
Na Lava Jato, o STF “garantista” garantiu a impunidade dos corruptos, que roubaram o dinheiro do povo. No pós-Lava Jato, o STF punitivista mira em seus desafetos, mas mutila a liberdade do povo. Os brasileiros sempre pagam a conta dos subterfúgios do Supremo. Já passou da hora de senadores confiscarem o autoritarismo dos tiozões.
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