STF: a ironia de Barroso e Mendes é um tapa na cara do Congresso
Apenas não entendo por que os próprios podem assumir o que são e o que fazem e nós, analistas e jornalistas, não
Uma recente pesquisa (setembro de 2024) do Instituto Atlas/Intel mostrou que metade dos brasileiros (50,9%) não confia nos ministros do STF. O que me chama a atenção é a outra metade confiar. Aliás, me recordei de um episódio histórico, ocorrido em 2016 durante o programa Roda Viva, da TV Cultura, em que o ex-ministro Marco Aurélio Mello – aquele que mandou soltar um os maiores traficantes do Primeiro Comando da Capital (PCC), André do Rap -, pergunta ao jornalista José Nêumanne: “Você não acredita na sua Suprema Corte?”, sendo imediatamente respondido: “Não, não acredito”.
O Judiciário é o pilar central de qualquer democracia evoluída e sociedade desenvolvida no mundo. Desde a tripartição dos Poderes, teorizada por Montesquieu e – como dizem os operadores do Direito – recepcionada pela Carta em 1988, cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) a última palavra na interpretação das leis e sua correta aplicação.
O diabo é que essa interpretação, por obra de certos supremos togados ao longo das décadas, foi sendo alargada além do razoável e, eu diria, além das fronteiras do próprio texto constitucional. Quando a política passou a dominar, ou melhor, a ditar as regras da Casa, a Justiça saiu de cena. O Supremo, como boa parte das demais instâncias judiciais do país, tornou-se uma corte em que, sim, lembrando outra vez de Marco Aurélio Mello, “processos têm capa” – e capas têm nomes e sobrenomes de réus e advogados amigos e patrocinadores.
Amigos para sempre
Em debate bem-humorado e cheio de gracinhas mútuas – entre dois ministros que já se ofenderam duramente em plenário – durante sessão do STF na quarta-feira, 23, o ministro Luís Roberto Barroso, aquele do “Perdeu, mané”, assumiu a prática da – como é mesmo? – “interpretação” e exemplificou, contando um caso de uma regra desrespeitada, a seu novo melhor amigo, Gilmar Mendes:
“A interpretação jurídica nunca é uma matéria puramente singela. Eu me lembro de um episódio ocorrido com o saudoso professor Geraldo Ataliba em que ele fazia uma palestra, fumando um cigarro, em uma época em que se fumava diferentemente do que se fuma hoje. A palestra era sobre a efetividade das normas jurídicas. Ao final da palestra, em que ele fumou durante todo o tempo, um cidadão levantou na plateia e disse ‘professor, o senhor fala tanto em efetividade das normas jurídicas, mas o senhor ficou fumando o tempo inteiro e aqui há placas dizendo que é proibido fumar’“. E continuou:
“O Geraldo, que era um homem extremamente criativo, disse: ‘Meu amigo, o seu problema é a deficiência na interpretação das normas jurídicas. A placa que diz proibido fumar está atrás de mim – portanto, evidentemente ela não se aplica a mim. Eu não consigo ler de costas. E a outra placa está ali no auditório – o que significa que só não pode fumar quem está no auditório. De modo que eu não descumpri norma alguma’. De modo que a interpretação é sempre sujeita às múltiplas visões da vida”, finalizou Barroso.
Confessionário
A própria “interpretação das leis” é uma espécie de mantra para o ministro, que, recentemente, em um evento ocorrido em Roma, na Itália, patrocinado por empresas com ações no Supremo, declarou – sem medo de ser feliz: “É a violação que dá vida à norma”.
Em um livro de sua autoria, O Novo Direito Constitucional Brasileiro, Barroso defende que: “Em muitas situações, em lugar de se limitar a aplicar a lei já existente, o juiz se vê na necessidade de agir em substituição ao legislador. A despeito de algum grau de subversão ao princípio da separação de Poderes”. Sim. É isso mesmo. O leitor amigo, a leitora amiga não estão enganados, não. O ministro diz – de forma bastante clara – que entende correto um juiz substituir o legislador.
Não há como acusar Barroso, bem como seu interlocutor de ironias, Gilmar “Palooza” Mendes, de incoerência. Ao contrário. Ambos, e outros colegas de Corte, são useiros e vezeiros na “subversão ao princípio das separação de Poderes”. Xandão, aliás, que o diga. E o “amigo do amigo de meu pai” também. E não só estes.
Apenas não entendo por que os próprios podem assumir o que são e o que fazem e nós, analistas e jornalistas, não, sob pena de censura, processo e, no limite da “interpretação”, prisão. Ou melhor, entendo, sim. Foi só força de expressão. Ao menos enquanto ainda é livre.
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