Salomão se faz de sonso sobre nosso Judiciário: “Referência no mundo inteiro”
O ministro do STJ e corregedor-nacional de Justiça manifesta o corporativismo do sistema (caríssimo) que ele integra
Eu sei que o assunto da hora – e não poderia ser diferente – é a desistência de Joe Biden em concorrer à reeleição nos Estados Unidos. Acho, sinceramente, que até demorou. A decrepitude humana já dói o bastante na intimidade cúmplice do espelho do banheiro. Transformá-la sadicamente em um reality show mundial é desnecessariamente cruel. Alguém já disse, e concordo plenamente: “Há que saber envelhecer”.
A ausência da minha análise sobre a saída de Joe Biden não fará falta ou diferença alguma. Neste O Antagonista principalmente. Há craques de sobra por aqui. Porque ao assistir uma parte do programa Canal Livre, da BandNews TV, minha veia crítica se transformou em carótida indignada, e saltou do gogó para o teclado, mais rápido que as votações relâmpago de Arthur Lira quando a pauta lhe interessa – e aos seus.
“Nós temos um Poder Judiciário no Brasil – e não é só minha opinião, não -, que é referência no mundo inteiro. Um Judiciário reconhecido como autônomo, independente”, declarou, com o semblante mais plácido do mundo, como se acreditasse em si mesmo, o corregedor-nacional de Justiça e ministro do STJ, Luis Felipe Salomão. Entendem, agora, por que Trump, Biden e EUA tornaram-se secundários para mim?
O papel aceita tudo
Como corregedor, não cabe ao ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), obviamente, a responsabilidade de responder por tantos e tamanhos descalabros do nosso sistema judiciário, mas como magistrado, ele é parte de um problema – sim, problema – que aflige milhões de brasileiros desassistidos diariamente, exceto, é claro, aqueles capazes de contratar advogados estrelados a peso de seis dígitos.
Salomão desfilou números impressionantes: 80 milhões de processos anuais, 30 milhões de novas ações todos os anos, 18 mil juízes em todo o País, 500 mil funcionários diretos (mais os terceirizados). De fato, são números grandiosos. Nosso Judiciário é complexo e gigante. Mas custaram à sociedade 133 bilhões de reais em 2023, ou seja, tudo devida e regiamente pago. Desse total, 84% seguem direto para o pagamento de salários e aposentadorias.
Segundo o Tesouro Nacional, a nossa Justiça é a mais cara do mundo em relação ao gasto público total. Se a contrapartida fosse adequada ao cidadão, ok, vá lá. Mas sabemos – e sentimos na pele – que é das mais lentas e injustas Justiças do planeta. E não estou, aqui, falando da impunidade ampla, geral e quase irrestrita. Estou falando de processos que se arrastam há décadas ou de execuções flagrantemente arbitrárias, no mínimo.
Justiça injusta
Estou falando da Justiça do Trabalho, que é uma espécie de 4º Poder. Temos o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e… a Justiça do Trabalho! Órgão que costumeiramente descumpre decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), como se houvesse uma constituição própria, à parte da Carta Magna a que somos todos obrigados. Aliás, certos ministros da Suprema Corte não são diferentes, já que parecem ter as próprias constituições.
Muitos especialistas, juristas e advogados culpam nossos códigos – Código de Processo Civil (CPC) e Código de Processo Penal (CPP) -, nossas Leis e nossa própria Constituição pela péssima relação “custo x benefício” do sistema judicial, mas raramente encontramos algum tipo de defesa do Poder Judiciário. Ao contrário. Independente, autônomo, com regimentos e orçamentos próprios, poderia e deveria ser melhor.
Qualquer um que se informe minimamente sobre política, economia, negócios e sociedade conhece os mais variados absurdos e abusos do Judiciário. Desde a frequente invasão de prerrogativas do Legislativo às mudanças jurisprudenciais de ocasião, como a que permitiu a soltura de criminosos condenados em 2ª instância, ou arbitrariedades censoras e punitivistas sem qualquer amparo constitucional.
Aí, não, Doutor Salomão
Empresários, dos menores aos maiores, sabem o que é receber uma cartinha com o brasão do Judiciário, terem as contas penhoradas indevidamente, serem humilhados por autoridades abusivas, terem créditos reconhecidos e jamais ressarcidos, principalmente se através de precatórios com vencimentos para 20, 30 anos à frente – e quando vencem, uma PEC eleitoreira, como em 2022, os prorrogam outra vez.
O noticiário nacional não passa um dia sem nos contar sobre venda de sentença, supersalário de desembargador, juiz aposentado compulsoriamente – como castigo – após ser pilhado em um delito, auxílio-moradia indevido, quinquênio prestes a voltar, aposentadoria especial, banquete de lagostas e camarões, congresso no Caribe, ou em Portugal, institutos de ministros, bermudas e chinelos nos corredores do STF.
O ministro Salomão talvez não tenha se lembrado de alguns colegas proeminentes e certas polêmicas: o Xandão, o amigo do amigo de meu pai, o Lalau. Toda generalização é burra e injusta. É claro que há excelentes quadros na Justiça brasileira e mais claro ainda que, dentre tantos descalabros e custos bilionários, presta relevantes serviços à sociedade. Mas daí a ser referência mundial? Salomão viajou fundo nessa maionese. Ou nos coquetéis do Gilmarpalooza.
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