Precisamos falar sobre o nosso parlamentarismo bastardo
Com decisão de Flávio Dino, governo e Congresso terão de discutir emendas impositivas que modificaram o jogo de poder no Brasil
Desde 2015, quando o Congresso tornou impositivo o pagamento das emendas individuais de deputados federais e senadores, o Brasil vem trilhando o caminho de um parlamentarismo bastardo.
À medida que aumentava o controle dos parlamentares sobre o orçamento, a forma de governo do país mudava drasticamente, com transferência de poder do Executivo para o Legislativo.
Essa mudança, que enfraqueceu o presidencialismo, não foi resultado de uma escolha consciente dos eleitores, nem sequer aconteceu às claras. Ninguém pôs o nome na certidão de nascimento do novo regime. Daí o motivo de ele ser bastardo.
Regras para as emendas
No final da tarde desta quarta-feira, 14, o ministro Flávio Dino, do STF, que já havia congelado o pagamento das emendas pix em nome da transparência, suspendeu a execução de todos os tipos de emenda e mandou que os poderes Legislativo e Executivo refaçam as regras do jogo num “diálogo institucional”.
“O equivocado desenho prático das emendas impositivas gerou a ‘parlamentarização’ das despesas públicas sem que exista um sistema de responsabilidade política e administrativa ínsito ao parlamentarismo”, escreveu ele.
Segundo o ministro, o pagamento das emendas tem de obedecer a cinco parâmetros: compatibilidade com a lei de diretrizes orçamentárias e o plano plurianual; existência de um plano de trabalho para o gasto do dinheiro; demonstração de que o gasto será eficaz em relação ao objetivo; cumprimento das regras de transparência e rastreabilidade; enquadramento dos gastos na meta fiscal ou limite de despesas.
Congresso enfurecido
A decisão enfureceu o Congresso.
Com razão, os parlamentares reclamaram de que ela tenha sido monocrática, ou seja, assinada por um único ministro. Dessa vez, o STF não se fez de surdo. Luís Roberto Barroso, presidente da Corte, determinou que o plenário ratifique ou derrube o entendimento de Dino até o final desta sexta, 16.
Deputados e senadores acreditam ainda que Dino atuou em parceria com o governo Lula. Também nesse caso, não há dúvida que têm razão.
A ação que resultou na decisão do ministro foi patrocinada pelo PSOL, um dos partidos-satélite do PT. Teria sido mais digno que o próprio partido do presidente assumisse a tarefa, em vez de terceirizá-la. Ou, melhor ainda, que o Advogado Geral da União (AGU) tivesse tomado a iniciativa em nome do Executivo.
Lula não tem escrúpulos em acionar a AGU para finalidades espúrias, como cuidar da imagem do governo nas redes sociais. Mas prefere recorrer a subterfúgios num caso verdadeiramente importante do ponto de vista institucional, como este.
Sem volta ao passado
Mas vamos em frente. O fato de existir um vínculo entre Dino e Lula não é mais importante que a questão que precisa ser equacionada. O aumento de poder do Congresso já afetou o governo Bolsonaro e pode afetar os governos que virão depois do atual.
Não creio que seja o caso de restituir o Brasil ao presidencialismo de coalizão que existiu no passado, no qual o governo tinha controle total sobre o Orçamento e comprava maiorias para aprovar somente as leis que lhe interessavam.
Se dispusesse do poder de outros tempos, Lula não hesitaria em desmontar, por exemplo, o Marco do Saneamento ou a reforma trabalhista, projetos modernizadores que um Congresso “empoderado” levou adiante.
Freio de arrumação ou plebiscito
Num ambiente político polarizado, é bom que lideranças do Legislativo tenham força para moderar os apetites de governos que nem de longe representam a maioria dos brasileiros.
Mas o Congresso ganhou toda essa musculatura nos últimos dez anos remodelando clandestinamente o regime desenhado na Constituição. O freio de arrumação é necessário.
Ou então, que proponham de uma vez um plebiscito para a adoção de um governo parlamentarista ou semipresidencialista. À luz do dia.
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (0)