O “sentimos muito”, mas não tanto, de Paris 2024 sobre “Última Ceia” de drags

16.02.2025

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O Antagonista

O “sentimos muito”, mas não tanto, de Paris 2024 sobre “Última Ceia” de drags

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Felipe Moura Brasil
6 minutos de leitura 28.07.2024 16:50 comentários
Análise

O “sentimos muito”, mas não tanto, de Paris 2024 sobre “Última Ceia” de drags

Declaração da porta-voz dos organizadores dos Jogos Olímpicos configura pedido de desculpas?

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O “sentimos muito”, mas não tanto, de Paris 2024 sobre “Última Ceia” de drags
Reprodução

A porta-voz de Paris 2024, Anne Descamps, comentou em coletiva de imprensa realizada neste domingo, 28 de julho, a avalanche de críticas no mundo inteiro ao quadro kitsch da cerimônia de abertura das Olimpíadas em que a passagem bíblica da Última Ceia de Jesus Cristo e seus apóstolos, eternizada em pintura de Leonardo da Vinci, foi reconstituída com a participação de drag queens, um cantor como o deus grego do vinho, Dionísio, e uma criança.

“Claramente, nunca houve a intenção de mostrar desrespeito a qualquer grupo religioso. [A cerimônia de abertura] tentou celebrar a tolerância da comunidade”, disse a porta-voz. 

“Acreditamos que essa ambição foi alcançada. Se as pessoas se ofenderam, nós realmente sentimos muito.”

Alguns veículos, como o jornal britânico The Guardian, noticiaram essa declaração como um pedido de desculpas dos organizadores dos Jogos Olímpicos a católicos e outros grupos cristãos, mas a alegação de sentir muito, condicionada a um suposto desagrado alheio com o ato cometido, não configura pedido de desculpas em caso algum, que dirá quando o desagrado já está mundialmente consumado em numerosas reações.

O que os organizadores alegaram pela porta-voz foi que sentem muito que haja gente que não tenha entendido suas boas intenções (de “celebrar a tolerância da comunidade”, sem “mostrar desrespeito a qualquer grupo religioso”). Pela retórica deles (de que “essa ambição foi alcançada”, a despeito das pessoas que “se ofenderam”), não foi Paris 2024 que errou, foram católicos e outros grupos cristãos – incluindo políticos com discurso conservador e atletas – que não entenderam.

Nem o líder da extrema-esquerda francesa, no entanto, endossou a reconstituição do quadro. “Não gostei da zombaria da Última Ceia cristã”, escreveu Jean-Luc Mélenchon, do partido França Insubmissa, em seu blog. “É claro que não estou entrando na crítica da ‘blasfêmia’. Isso não diz respeito a todos. Mas pergunto: qual é o sentido de arriscar ferir os crentes? Mesmo quando você é anticlerical! Estávamos falando ao mundo naquela noite.”

Questionado neste domingo, o diretor artístico da cerimônia, Thomas Jolly, alegou à BFMTV que a Última Ceia “não é minha inspiração”.

“Há Dionísio (Philippe Katerine pintado de azul) que chega nesta mesa. Ele está lá porque é o Deus da celebração na mitologia grega. O deus do vinho, que é uma das joias da França. E pai de Sequana, a deusa que está ligada ao rio, o Sena. A ideia era fazer uma festa pagã ligada aos deuses do Olimpo. Você nunca encontrará em mim uma vontade de zombar e denegrir qualquer um. Queria fazer uma cerimônia que repare, que reconcilie. E também que reafirme os valores da nossa República, liberdade-igualdade-fraternidade”, disse Jolly.

Em entrevistas anteriores à abertura, ele já havia falado sobre ser LGBTQ (seu namorado também se chama Thomas), de modo que, no sábado, 27, alegou também em coletiva: 

“Na França, temos o direito de nos amar, como quisermos, com quem quisermos. Na França, temos o direito de acreditar e não de acreditar. Na França, temos muitos direitos.”

Um desses direitos, exercidos no mundo democrático, dentro e fora da França, inclusive neste caso, é o de criticar qualquer manifestação que, mesmo sendo legalmente permitida, soa inadequada para a circunstância específica, ofensiva a segmentos da população e/ou desnecessária no momento mundial.

“Os valores e os princípios expressos e disseminados pelo esporte e pelo olimpismo contribuem para essa necessidade de unidade e fraternidade que nosso mundo tanto precisa, respeitando as convicções de todos, em torno do esporte que nos une e a fim de promover a paz entre nações e corações”, declarou, por exemplo, a Conferência Episcopal Francesa (CEF) em 27 de julho.

“A cerimônia de abertura”, segundo ela, “ofereceu ao mundo momentos maravilhosos de beleza, alegria, emoções ricas e aclamação universal”, mas “incluiu cenas de escárnio e zombaria do cristianismo, que deploramos profundamente”.

“Pensamos em todos os cristãos em todo o mundo que foram feridos pelo excesso e provocação de certas cenas. Esperamos que eles entendam que a celebração olímpica se estende muito além dos preconceitos ideológicos de alguns artistas”, completaram os bispos franceses.

O secretário-geral do CEF, padre Hugues de Woillemont, destacou no X a contradição entre “a inclusão exibida e a exclusão real de certos crentes”. “É desnecessário ferir as consciências para promover a fraternidade e a irmandade”, resumiu.

O arcebispo de Malta, Charles Scicluna, que conduziu investigações de abuso sexual por parte do clero e liderou um comitê do Vaticano sobre esses casos, entrou em contato com o embaixador da França na capital do país, Valletta, para manifestar “grande decepção” diante do “insulto gratuito” a “nós, cristãos”.

O arcebispo italiano Vincenzo Paglia, presidente da Pontifícia Academia para a Vida, do Vaticano, escreveu no X que “a zombaria” da Última Ceia “revela uma questão profunda”: “Todos, absolutamente todos, querem se sentar à mesa onde Jesus dá sua vida por todos e ensina amor.”

Para a Conferência Episcopal Italiana, a cerimônia “concebida para celebrar a grandeza da França e a unidade do movimento olímpico” tomou “um rumo inesperadamente negativo, tornando-se um desfile de erros banais, acompanhados por ideologias triviais e previsíveis”.

Um artigo no Avvenire, o jornal diário italiano afiliado à Igreja Católica, ponderou: “Não nos tome por fanáticos moralistas, mas de que adianta ter que experimentar cada evento global, mesmo um esportivo, como se fosse um Orgulho Gay?”

A parlamentar francesa Marion Maréchal, católica, mandou recado no X para os cristãos que “se sentiram insultados por esta paródia de drag queen da Última Ceia”: “saibam que não é a França que está falando, mas uma minoria de esquerda pronta para qualquer provocação”.

O fato de que a “provocação” tenha sido feita com um símbolo do cristianismo, que tolera a blasfêmia, e não do Islã radical, que reagiu às sátiras do profeta Maomé com o massacre do Charlie Hebdo, ainda turbinou críticas à “covardia” dos organizadores da cerimônia.

Mas, para além do grau de sensibilidade de cada grupo, a questão de fundo é incontornável.

Como eu, Felipe, comentei no X, no dia 26:

“Abertura de Olimpíadas, sobretudo em tempos de guerra, deveria ser cerimônia de união de países, povos e culturas, usando elementos da sede para tratar de valores universais da civilização. Não espaço de reinvenção de símbolos religiosos em perfomances lacradoras e divisionistas.”

O maior evento de união do mundo desuniu, porque o espírito olímpico foi corroído pela militância identitária, incapaz de conceber ou de respeitar a diversidade que ela própria propagandeia.

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