O resultado concreto da intervenção de Musk
Regulação das redes no Congresso e ação no STF estavam adormecidos, mas agora voltam a tramitar
O primeiro resultado concreto da intervenção de Elon Musk no debate brasileiro sobre liberdade de expressão já está dado.
O ministro Dias Toffoli, do STF, mandou para julgamento uma ação que questiona a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet.
Esse dispositivo legal diz que redes sociais, sites e provedores de acesso à internet só podem ser responsabilizados pelo conteúdo postado por terceiros se nada fizerem depois de notificação judicial.
Se o artigo for invalidado, as empresas se verão forçadas a agir preventivamente, para não sofrerem uma avalanche de processos com pedidos de indenização.
Na dúvida, derrube
Mais ainda: não vão agir levando em conta apenas critérios objetivos, contidos em suas regras de uso ou mesmo na legislação. Tentarão adivinhar aquilo que pode levar grupos ou indivíduos a entrar na Justiça.
Processos de indenização funcionam assim: alguém se sente ofendido e entra com uma ação para ver no que dá. Às vezes nem ofendido de verdade se sentiu.
Como as empresas são ricas, muitos desses processos terão valores exorbitantes, que jamais seriam propostos se um fulano qualquer estivesse litigando do outro lado.
A tendência é que, diante da menor dúvida a respeito de uma postagem, as plataformas derrubem o conteúdo.
Tropa de choque nas redes
Sempre tão zeloso das suas prerrogativas e tão orgulhoso de uma sabedoria que transcende a dos mortais, o Judiciário, dessa vez, vai privatizar a vigilância das redes. Ou melhor: o policiamento. Vai pôr a tropa de choque nas vias digitais.
John Stuart Mill, um dos grandes teóricos da liberdade de expressão, disse que pessoas e sociedades precisam de uma “atmosfera de liberdade” para florescer. É fácil prever que teremos o contrário disso.
Porque o STF tem medo de palavras e ideias.
Debates eleitorais
O artigo 19 do Marco Civil já havia sido atropelado por uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) editada em fevereiro. Durante o período eleitoral, as coisas devem funcionar exatamente do modo descrito acima.
Eleições no Brasil são tratadas cada vez mais como períodos de exceção. E isso não é apenas por causa da Justiça eleitoral, é também por causa dos políticos. Eles acham que seu direito de ser eleitos é mais importante do que o direito dos eleitores de receber informações e participar do debate público. Por isso a liberdade de informação e de expressão durante as campanhas é cada vez mais regulamentada. A participação democrática se resume ao voto. E cale a boca.
Dependendo do resultado do julgamento no STF, a situação do período eleitoral vai se tornar permanente.
Toffoli tirou o processo da gaveta em óbvia retaliação às bravatas de Musk. O ministro dizia estar aguardando as discussões no Congresso a respeito da regulamentação das redes, para só então verificar se ainda era o caso de levar o assunto ao plenário. A discussão parlamentar, por sua vez, estava congelada.
Agora temos o processo tramitando e a retomada dos debates sobre regulamentação na Câmara, conforme anunciado nesta terça-feira (9) pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
Barganhas
Alguém dirá que a intervenção de Elon Musk pode ter efeitos de mais longo prazo. Afinal de contas, ele chamou atenção para a hostilidade do judiciário brasileiro e do governo do PT à plena liberdade de expressão.
Na verdade, efeitos de longo prazo dependerão das negociações políticas aqui dentro do Brasil, e não da gritaria de Elon Musk em algum país estrangeiro.
As digitais da direita bolsonarista estão cada vez mais visíveis não só nos tuítes de Musk como também no discurso de Michael Schellemberger, o jornalista americano que divulgou os “Twitter Files”.
Musk deu um pouco de combustível de foguete a essa direita, para que ela critique Alexandre de Moraes e o governo petista.
Mas esses políticos terão força para influir no julgamento do artigo 19 do Marco Civil no STF? Terão competência para moldar a regulamentação das redes no Congresso?
Na sua entrevista ao Roda Viva nesta segunda-feira (8), Flavio Bolsonaro deixou bem claro que não está muito preocupado com liberdade de expressão, mas em livrar papai e amigos da cadeia, extinguindo os inquéritos sobre tentativa de golpe de Estado no STF. Chamar Alexandre de Moraes de tirano ou ameaçá-lo como impeachment nada mais são que ferramentas de barganha (assista ao vídeo abaixo).
Quanto a Elon Musk, daqui a pouco ele se cansa chutar bolas neste terreno baldio chamado Brasil e vai cuidar dos seus investimentos nas grandes democracias liberais que são a China e a Índia.
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