O que há de incorreto no politicamente correto?
Filósofo esloveno Slavoj Žižek critica a cultura do politicamente correto e suas derivações

Será que alguém gosta, mas gosta meeesmo, no duro, a sério, de ordens, reprimendas, exigências, demandas, gritos, ameaças, xingamentos ou proibições? Salvo em ocasiões muito específicas, que não vêm ao caso, pouca gente gosta.
O fato é que a gente se acostuma, porque faz parte do jogo de encaixe social. Não podemos ser o que somos o tempo todo, nem fazer o que queremos todas as vezes. Mas de um chefe mandão, um pai autoritário, um cônjuge irritante… Deus nos livre e guarde.
Ainda assim, defende o filósofo esloveno Slavoj Žižek, a frontalidade nas relações humanas, inclusive no que têm de pior, continua a ser a melhor opção de que dispomos para lidar com nossos semelhantes (e nem tão semelhantes…).
O bom-mocismo totalitário
Para o filósofo, o politicamente correto – tentativa pós-moderna de diluir as relações de coerção em uma papinha que mistura bom-mocismo, etiqueta, hipersensibilidade e oportunismo – joga a sujeira do autoritarismo para debaixo do tapete do superego.
Ele dá um exemplo curioso, entre tantos:
“Imaginem só… Eu sou um moleque pequeno. É domingo à tarde. Meu pai quer que eu visite minha avó. Digamos que meu pai exerça sua autoridade daquele jeito mais tradicional. O que ele faria? Provavelmente diria algo como: ‘Não me importa se você quer ou não; é seu dever visitar sua avó.’”
De acordo com Žižek, no melhor espírito de outro “filósofo”, Arnaldo Cezar Coelho, “a regra é clara”: você tem obrigação moral de visitar sua avó. Ponto final.
Mas o que costuma fazer o pai pós-moderno, preocupado em não parecer autoritário? Ele vai dizer o seguinte:“Você sabe o quanto sua avó ama você, mas não quer dizer que você tem obrigação de visitá-la. Não vou forçar. Mas ela ficaria feliz…”
Pronto: o pai trocou uma ordem direta por um sentimento de culpa. Ele, para si mesmo e para a “sociedade”, se sai bem. Você, por sua vez, terá de lidar com a dúvida sobre suas ações e, o que é pior, suas intenções.
Ele fingiu dar a você a liberdade de ir ou não ir, mas fez isso introjetando na sua cabeça um grilo moral pegajoso. Sua relação com a sua avó aos poucos se transformará em chantagem emocional. Além disso, você, quando imaturo, aprende que representar sentimentos é mais útil que senti-los de verdade.
Eufemismos não vão mudar a vida de ninguém
Esse foi apenas um entre tantos exemplos – racismo, cuidados com a saúde, piadas – que Slavoj Žižek deu para ilustrar sua hipótese: nossos preconceitos, nossas rejeições, nossas preferências, nossos riscos, nossas mesquinhezes representam o que somos e indicam o quanto podemos melhorar.
Redefinições, eufemismos, terminologias, disputas semânticas ou invenções etimológicas não resolvem problema nenhum. Criam outros. O politicamente correto não é apenas autoritário. É uma manifestação cultural de totalitarismo.
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Comentários (2)
ALDO FERREIRA DE MORAES ARAUJO
21.04.2025 18:28Uma área muito atingida aqui é a resignificação de palavras principalmente quando querem fazer crer que são racistas. O maior exemplo é a palavra "denegrir", cujo significado é no sentido de manchar, já tinha seu equivalente no latim mais de 2 séculos antes de Cristo nesse sentido, e quando praticamente nenhum romano, ou europeu em geral jamais vira uma pessoa de preta. A própria atual ministra do meio ambiente já passou recibo no Congresso de seu desconhecimento em cima do termo "caixa preta", dizendo que era termo racista. Cruz Credo! Desconhece ela que as atuais "caixas pretas" dos aviões, hoje de um laranja bem chamativo" eram realmente pretas e mudaram de cor para facilitar a localização, mas a expressão continuou. Duvido muito que alguém tenha imaginado a imagem de um africano ou afro-descendente quando forjou o termo para tal equipamento.
Fabio B
17.04.2025 18:57Se "politicamente" correto fosse mesmo correto, não precisaria do "politicamente" junto, o correto por si já bastaria.