O fracasso do 8/1 e os golpes bem-sucedidos
A politicagem em torno do primeiro aniversário do 8/1 distorce a realidade, que precisa ser registrada não para fortalecer Lula e o Supremo Tribunal Federal, nem para legitimar o vitimismo de Jair Bolsonaro e dos...
A politicagem em torno do primeiro aniversário do 8/1 distorce a realidade, que precisa ser registrada não para fortalecer Lula e o Supremo Tribunal Federal, nem para legitimar o vitimismo de Jair Bolsonaro e dos invasores dos prédios dos Três Poderes, mas para que os brasileiros não se deixem levar pela propaganda de dois lados desinteressados em contar a história completa, especialmente em relação ao ponto que os uniu: a impunidade dos acusados de corrupção, lavagem de dinheiro e peculato, envolvidos em esquemas de suborno em estatais e “rachadinhas” em gabinete.
Em 4 de setembro de 2021, dezesseis meses antes dos chamados atos golpistas, antecipei a forma como eles se dariam e o seu respectivo fracasso:
“Bolsonaro conta com seus reacionários aloprados, que, assim como a esquerda revolucionária provocava policiais em protestos para posar de vítima das reações, ameaçam ministros e incitam invasões de prédios institucionais com o mesmo fim. A sorte da ‘democracia’ é que a competência do presidente para planejar e executar um golpe de Estado tende a ser tão ínfima quanto para debelar as crises sanitária, ambiental, energética, orçamentária e inflacionária, que dirá a da moralidade pública.”
Em 13 de maio de 2022, oito meses antes do quebra-quebra, fiz no então Twitter a seguinte síntese de uma série de artigos, a começar por “Jair Bolsonaro é a cortina de fumaça do sistema”, que já vinha publicando desde agosto de 2021:
“A hipótese de golpe ostensivo contra as instituições serve para encobrir os golpes velados dentro delas.
No Judiciário, impunidade dos corruptos e perseguição aos vigilantes.
No Legislativo, mensalão institucionalizado.
No Executivo, instrumentalização de órgãos de controle.”
O tuíte acabou virando um parágrafo do artigo que publiquei cinco dias depois, em 18 de maio daquele ano, sob o título: “Já teve golpe. E não foi só um”. O tempo apenas confirmou, como já detalhei aqui, que o principal golpe concluído com sucesso foi o da impunidade geral, não sem a ajuda de Bolsonaro, que presenteou a classe política com Augusto Aras na PGR e Kassio Nunes Marques no STF. Confirmou, também, o seguinte parágrafo daquele texto:
“Com o Centrão lulista, bolsonarista ou bolsolulista, porém, tudo pode mudar na presidência da República para continuar como está nos Três Poderes, trocando-se somente a fumaça da cortina: sairia o reacionarismo aloprado, que encanta a direita brucutu; entraria o bom-mocismo malicioso, que fascina a intelligentsia esquerdista.”
A cobertura de um ano do 8/1 na imprensa, com legitimação das narrativas da Secom sobre o heroísmo de Lula e Janja, e do STF sobre a atuação heroica de ministros para conter uma horda sem apoio armado do Exército, é marcada pelo culto à malícia de ambas as fontes, em detrimento de ferramentas fundamentais do jornalismo e da análise histórica, como o filtro da propaganda dos grupos de poder e a visão holística dos fatos.
Os atos daquele dia não podem ser tratados como mera “armadilha”, como quer Bolsonaro, nem como uma tentativa sustentável de golpe de Estado, impedida por amantes da democracia, como querem Lula, STF e seus porta-vozes.
De um lado, ainda que membros do governo Lula tenham sido negligentes em relação à segurança institucional, seguindo ou não a estratégia de Napoleão de jamais interromper um adversário quando ele estiver cometendo um erro, os invasores e depredadores agiram voluntariamente, cometendo “erros” que violam as leis penais, ou seja: crimes.
Neste sentido, o 8/1 foi o extravasamento residual de uma revolta de reacionários aloprados que só haviam encontrado, se tanto, apoios isolados, dispersos e hesitantes dentro de partidos, corporações e instituições, mas que já haviam fracassado, após semanas de manifestação diante dos quarteis, em suas tentativas de obter o apoio da cúpula do Exército e de dar ares de legitimidade a uma “intervenção militar”. (O próprio Bolsonaro, referindo-se à posse de Lula, confessou em live que não conseguiu angariar apoio a “uma saída para isso aí”, como expus em artigo de 13 de janeiro de 2023.)
Negar, como fazem os bolsonaristas, o teor golpista do movimento como um todo, que desembocou na invasão e no quebra-quebra, é ignorar o teor dos acontecimentos; e fingir, como fazem lulistas e supremistas, que a horda desarmada sustentaria um golpe, mesmo com a omissão de uns tantos policiais na Praça dos Três Poderes, também é.
O bolsonarismo, em relação a reais e supostos abusos dos tribunais superiores, trocou reações constitucionais como a CPI da Lava Toga – sabotada pela família Bolsonaro, que buscou e conseguiu apoio de Dias Toffoli contra investigações de “rachadinha” – pela reação inconstitucional do golpismo bananeiro, fornecendo aos líderes do sistema o pretexto para extrapolar suas atribuições com a pose de defensores da “democracia” e para encobrir a República do Escambo na qual faturam com conchavos e toma lá dá cá.
Com a cumplicidade do STF e da imprensa, Lula ainda tornou o aniversário do 8/1 uma campanha eleitoral antecipada, que segue o mote de sua própria campanha anterior. A história imposta pelos vencedores de ocasião geralmente é tão falsa quanto a narrativa dos perdedores, já que ambas servem à disputa presente e futura de poder. O jornalismo independente, que serve aos brasileiros, seguirá antagonizando toda politicagem.
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