O fim dos investimentos isentos?
Se o investidor não confia na previsibilidade das regras, ele simplesmente muda de país, de setor ou de produto

O governo Lula (foto) inicia uma nova fase na relação com o investidor brasileiro, após a publicação da medida provisória (MP) nº 1.303/25 e do Decreto nº 12.499/25.
A proposta, anunciada pelo presidente em 11 de junho, encerra um dos principais atrativos da renda fixa nacional: a isenção de imposto de renda para determinados papéis e fundos.
A decisão ainda precisa passar pelo crivo do Congresso, mas já acendeu o alerta nos escritórios de assessoria financeira e nas mesas de operação das corretoras.
Leia também: Quanto Haddad espera arrecadar com novo pacote fiscal?
O que muda para a renda fixa?
As mudanças propostas encerram a era da imunidade tributária de títulos como Letra de Crédito Imobiliário (LCI), Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e debêntures incentivadas.
A partir de 2026, novos papéis emitidos nessas modalidades estarão sujeitos à alíquota de 5% sobre os rendimentos auferidos por pessoas físicas.
Além disso, a tabela regressiva do imposto — aquela que premiava o investidor paciente com alíquotas menores — será substituída por uma alíquota fixa de 17,5% para os demais ativos de renda fixa. Um verdadeiro balde de água fria em quem se organizava para viver de juros sem surpresas do Leão.
FIIs e Fiagros: um novo normal
A MP também atinge diretamente os Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs) e os Fundos de Investimento em Cadeias Agroindustriais (Fiagros).
Hoje, são isentos de IR sobre rendimentos distribuídos aos cotistas pessoas físicas.
Essa regra muda radicalmente a partir de 2026, quando rendimentos distribuídos estarão sujeitos à alíquota de 5%, e os ganhos de capital com a venda de cotas passarão a ser tributados em 17,5%.
É o fim da tese de isenção como âncora desses fundos, o que pode afetar severamente o fluxo de captação e o apetite do pequeno investidor por esse tipo de ativo.
O impacto no FI-Infra
Nem mesmo o Fundo Incentivado de Investimento em Infraestrutura (FI-Infra) escapou da guilhotina.
Nascido como instrumento de financiamento de longo prazo para obras estruturantes, ele passará a sofrer tributação de 5% sobre dividendos e ganhos de capital para pessoas físicas.
A alíquota parece módica, mas representa uma quebra na segurança contratual que esses fundos ofereciam — algo fundamental para investimentos que miram décadas à frente.
Se o investidor não confia na previsibilidade das regras, ele simplesmente muda de país, de setor ou de produto. É simples assim.
O que permanece e o que vai desaparecer
Importante: os ativos emitidos até 31 de dezembro de 2025 manterão as regras atuais.
Isso significa que ainda existe uma janela de oportunidade para quem quiser travar a isenção até o vencimento.
Mesmo os papéis negociados no mercado secundário continuarão sendo regidos pelas regras da data de emissão.
Mas não se engane: essa “jabuticaba” tributária brasileira, que tornava os produtos isentos uma espécie de oásis fiscal, pode estar com os dias contados.
O investidor que apostar todas as suas fichas na manutenção desse privilégio no longo prazo estará ignorando a direção dos ventos.
O dilema entre arrecadação e credibilidade
O governo tem pressa para ampliar a base arrecadatória, fingindo acreditar que isso sinaliza responsabilidade fiscal. Não escutamos falar sobre redução e ajustes de gastos.
O grande problema é que, ao mexer nas regras do jogo justamente no coração dos investimentos populares — os títulos de renda fixa e os fundos imobiliários —, corre o risco de perder algo que custa muito mais do que bilhões em tributos: a confiança do investidor de longo prazo. E essa, ao contrário do IR, não se recupera com uma simples MP.
Se a intenção é corrigir distorções, o caminho não deveria ser punir os instrumentos que ajudam a financiar o país com capital privado.
No fim das contas, a pergunta que fica não é se os investimentos isentos acabarão, mas se o investidor confia que o Brasil continuará respeitando contratos, regras e planejamentos de longo prazo.
Afinal, rentabilidade se calcula com planilha. Confiança, não.
Pedro Kazan é profissional do mercado financeiro desde 1999, empreendedor e palestrante, formado em Engenharia de Produção com ênfase em Engenharia Econômica pela UFRJ. De 2002 a 2004, fez parte do Controle Operacional da Mesa Proprietária do Banco BBM, de onde saíram os fundadores das mais renomadas Assets do Brasil, como SPX, Kapitalo e Navi. Desde 2004 dedica-se à Gestão de Recursos e Assessoria de Investimentos Private. Fundador do canal de educação financeira KZN Investimentos. Nascido no Rio de Janeiro. Vivendo em Lisboa.
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (2)
MARCOS
14.06.2025 19:54VAMOS APLICAR EM TÍTULOS DE RENDA FIXA NOS ESTADOS UNIDOS VIA CONTA GLOBAL NOMAD.
Marian
13.06.2025 23:28É essa a colheita prometida há pouco tempo?