Moraes deu chave de braço no X
Ministro quer que as plataformas de internet adaptem suas regras de uso àquilo que o STF acha admissível no debate público
A Folha publicou nesta quarta-feira, 4, mais uma reportagem na série da Vaza Toga.
É um texto importante, pois mostra que o X não recorreu a subterfúgios para escapar de pressões do TSE (fora do período eleitoral) pelo bloqueio de postagens, mas defendeu com firmeza seus princípios internos – e sensatos – de moderação de conteúdo.
Diante disso, foi o ministro Alexandre de Moraes quem recorreu à truculência, deslocando os casos para o STF e o inquérito intimidatório das fake news. “Então vamos endurecer com eles. Prepare relatórios em relação a esses casos e mande para o inq das fake news. Vou mandar tirar sob pena de multa”, escreve ele numa das mensagens obtidas pelo jornal.
Proteção da segurança, não da “verdade”
A reportagem demonstra que, em março de 2023, a equipe de Moraes no TSE tentou convencer o X a enquadrar postagens que expressavam opiniões negativas sobre o governo e os tribunais de Brasília em sua política de exclusão de conteúdos.
Depois de uma reunião com o então representante da plataforma no Brasil e na América Latina, o executivo Hugo Rodríguez, um servidor da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED), o órgão de monitoramento policial da internet criado no TSE, relatou qual era a lógica adotada pelo X na tarefa de curadoria.
“Com a entrada do Elon Musk, a moderação caminha cada vez mais para ter como base a proteção da segurança, mais do que a proteção da verdade”, escreveu o servidor, chamado Frederico Alvim. “Trocando em miúdos, uma mentira desassociada de um risco concreto tende a não receber uma moderação. A moderação só ocorre quando houver discurso de ódio e cogitação de alguma espécie mais palpável de dano (incitação de um ato de depredação ou coisa do tipo). Com o detalhe de que o ‘risco à democracia’, por não ser tangível, não entra nesse conceito.”
Cada um que zele por sua honra
A política interna do X descrita pelo servidor do TSE reflete uma concepção robusta (americana, por assim dizer) da liberdade de expressão. A empresa não se põe na posição de juíza da verdade ou “feiura” das postagens de seus usuários. Age apenas quando um conteúdo contém incitação a crimes, ou seja, pretende produzir danos concretos no mundo exterior. Essa é a doutrina do “perigo claro e imediato” que permite restriçòes à liberdade de expressão nos Estados Unidos.
Mas e nos casos de insulto? Na visão do X, segundo o funcionário da AEED, “o insulto em si (sem risco de violência) não enseja moderação, porque eles não estão tutelando a honra, mas, de novo, a segurança”.
Esse é um posicionamento sensato? Sim, absolutamente. Honra é coisa subjetiva, subjetivíssima. As pessoas têm tolerâncias muito diferentes a provocações e mesmo insultos. Não cabe a uma empresa decidir por cada um de seus usuários o que os ofende ou não. Quem achar que foi vítima de um crime contra a honra, deve ir à justiça em busca de remédio.
E foi exatamente isso que o X respondeu: ofensas a ministros e outras autoridades dependeriam de “atuação judicial” para serem bloqueadas.
Democracia silenciosa
Aqui é importante registrar qual foi a postagem que deu início à discussão entre o TSE e o X. Um de seus trechos dizia o seguinte, segundo a reportagem: “Foi o ‘Tribunal Internacional’. O Mula, Xandão e esse governo usurpador estão sendo acusados de crimes contra a humanidade (prisões ilegais, tortura, campos de concentração, mortes etc.)”.
Não há dúvida que a mensagem foi escrita num tom expressionista e grosseiro, e trata a versão bolsonarista dos fatos posteriores aos 8 de Janeiro como verdade factual. Mas ela não representa um risco imediato de agressão física a quem quer que seja, não incita os seus leitores a nada.
É evidente que a autora não tem nenhum apreço por Lula e Moraes. Mas, se eles se acharem ofendidos, que acionem a Justiça – como pode fazer qualquer cidadão.
Essa, entretanto, não é uma versão de liberdade de expressão que o ministro considere aceitável. Ele quer um mundo com bedéis digitais – as plataformas de internet – que adaptem suas regras de uso àquilo que o STF acha admissível no debate público. Ele quer, em última análise, uma “democracia” silenciosa, cheia de cidadãos comportadinhos, que se autocensuram antes de falar.
Para obtê-la, em vez de persuadir as pessoas de que seu ponto de vista está correto, resolveu torcer o braço do X no inquérito das fake news, punindo a plataforma por ter regras liberais (uso a palavra no sentido clássico, de um John Stuart Mill) de moderação de conteúdo.
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