Método ou crença? Bolsonarismo e trumpismo atacam o judiciário
Regimes ditatoriais e, no limite, fascistas, começam exatamente assim: substituindo juízes por políticos

Que Jair Bolsonaro e seus militantes mais radicais – não confundir, portanto, com quem votou e/ou poderia votar nele novamente – desprezam as instituições democráticas, notadamente os poderes Legislativo e Executivo, não à toa os inúmeros atos pregando o fechamento do Congresso Nacional e a Suprema Corte, já a partir do início de 2019, não é novidade para ninguém.
Que o bolsonarismo extremo segue a mesma cartilha de outros movimentos populistas autocráticos mundo afora, liderados por políticos carismáticos “de direita” como Viktor Órban, na Hungria, Abdrzej Duda, na Polônia, e Donald Trump, nos Estados Unidos, todos sob uma espécie de manual, idealizado e ensinado pelo ideólogo Steve Bannon, também não é novidade (para quem se interessa pelo assunto).
Por isso, não surpreende os novos ataques ao Judiciário brasileiro, proferidos pelo devoto da cloroquina e seus aliados políticos, durante a manifestação (vazia) de domingo, 16, em Copacabana, no Rio de Janeiro, em que pese algumas críticas serem justas e legítimas. Ao lado de um ex-mensaleiro condenado e preso, Valdemar Costa Neto, Bolsonaro se quer um honesto patriota, mártir pela liberdade.
Comércio de presos
No mesmo domingo, nos EUA, Donald Trump repostou uma publicação de Nayib Bukele, presidente de El Salvador, que se dispôs a receber – e recebeu – criminosos americanos em sua masmorra “premium”, inaugurada em 2023 em Tecoluca, a 74 quilômetros da capital do país (cujas condições de abrigo e tratamento são questionadas por organismos internacionais de Direitos Humanos), em troca de polpudos pagamentos.
O Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot) tem capacidade para até 40 mil detentos perpétuos, mas opera hoje com pouco mais de 15 mil presos. Receber os bandidos deportados pelo governo americano trará uma ajuda e tanto para o custeio do presídio, daí a oferta feita pelo salvadorenho, prontamente aceita pelo homem de negócios e presidente em exercício dos EUA, em torno de seis milhões de dólares anuais.
A publicação de Bukele ironiza a decisão de um juiz federal de Washington, D.C., que determinou a impossibilidade de deportação de criminosos a partir da Lei de Inimigos Estrangeiros, de 1798, utilizada pela administração Trump para se livrar de uma gangue de venezuelanos. A lei é específica contra “atos hostis perpetrados por estrangeiros em guerra”, e foi utilizada apenas três vezes: nas duas grandes guerras e em 1812.
Começa assim
A decisão judicial foi publicada, em tese, apenas após a decolagem do avião que carregava cerca de 240 criminosos barra-pesadíssimas, membros da facção venezuelana Trem de Aragua. Tão logo a aeronave tocou o solo, Nayib Bukele publicou no X, de Elon Musk, uma espécie de co-presidente informal dos EUA: “Oopsie… Too Late” (Ops, tarde demais). A zoação foi seguida de um emoji sorrindo.
A ironia salvadorenha não foi suficiente para Donald Trump, que repostou a gozação em sua conta no mesmo X. Mas pior ainda foi a sequência de comentários de apoio, não apenas concordando com a desobediência legal e a chacota ao Judiciário americano, como alegando que juízes não teriam mais poder que o presidente e “estes juízes” deveriam ser cassados, como já afirmou antes Elon Musk, irritado com uma decisão adversa.
Certos americanos – e brasileiros – confundem desobediência legal, atentado contra a Justiça etc. com a defesa de criminosos ou apoio aos democratas (ou ao PT). Criticar Donald Trump (ou Bolsonaro) por medidas afrontosas ao Estado Democrático de Direito não significa preocupação com o bem-estar de criminosos nem muito menos militar em favor da esquerda. Regimes ditatoriais e, no limite, fascistas, começam exatamente assim: substituindo juízes por políticos.
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Comentários (2)
FABIOLA LAMI FERRARI
17.03.2025 08:43Respeito deriva de autoridade e não de autoritarismo.
FABIOLA LAMI FERRARI
17.03.2025 08:42O problema é o enorme descrédito das instituições.