Joe Rogan foi longe demais?
Douglas Murray questiona os podcasts como plataforma para teorias alternativas, que têm desviado e confundido o debate sobre o que realmente importa em temas sensíveis

Joe Rogan (foto) se tornou o maior podcaster dos Estados Unidos e, portanto, do mundo.
Seu interesse e sua curiosidade por assuntos diversos ampliaram o leque de debates e debatedores na América, o que tornou o podcast Joe Rogan Experience, composto por longas entrevistas de cerca de três horas, muitas vezes com figuras controversas e provocadoras, uma referência para a livre circulação de ideias e o modelo de um ambiente para a reflexão que impulsionou o mercado de podcasts.
O programa cresceu tanto, contudo, que a aura de alternativo com que o podcast nasceu passou a rivalizar com as instituições e os especialistas que os convidados de Rogan se acostumaram a desafiar. É o que escancarou o jornalista britânico Douglas Murray em um dos episódios desta semana, que compartilhou com o humorista Dave Smith e virou motivo de controvérsia nos EUA.
Murray, que promove atualmente o livro On Democracies and Death Cults: Israel and the Future of Civilization (Broadside Books), vem se estabelecendo como uma das maiores referências no conservadorismo ocidental, principalmente após a morte de Roger Scruton, com quem dividiu mesas de debate público nos últimos anos de vida do filósofo.
O que realmente importa?
Na conversa com Rogan e Smith, o jornalista confrontou os dois com o fato de que as conversas públicas travadas em podcasts como aquele, sobre temas como a pandemia de covid, a guerra na Ucrânia e o confronto entre Israel e Hamas, se tornaram plataformas para teorias alternativas ou comentários provocativos que acabam por eclipsar o que é mais relevante e disseminar desinformação.
Como a corrupção do regime de Vladimir Putin é algo tido como inquestionável há muito tempo, uma conversa sobre os desmandos do autocrata russo ou sobre como ele deu um jeito de permanecer no poder mais uma vez não chama tanta atenção quanto as dúvidas semeadas sobre o governo de Volodymyr Zelensky, na Ucrânia invadida.
Especular sobre o desvio de dinheiro no governo de um homem aclamado como herói é muito mais instigante e, portanto, esse conteúdo vai reverberar com mais facilidade, guiado pelo interesse da audiência. Esse foi o início da conversa que desembocou na alegação de que Zelensky é um ditador, reverberada por Donald Trump e Elon Musk na tentativa frustrada de cessar-fogo com a Rússia.
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Um massacre
O desempenho de Murray, um jornalista que esteve em Kiev e na Faixa de Gaza, no debate com Smith, um humorista americano que expandiu sua base falando sobre assuntos geopolíticos que o interessam, mas sobre os quais está longe de ter se aprofundado tanto quanto o britânico, foi aplaudido por muitos nas redes sociais como um massacre do conhecimento sobre a especulação.
Nas plataformas em que o podcast de Rogan é transmitido, contudo, Murray foi simplesmente descrito como um chato, alguém que surgiu para quebrar o clima. “Quero ouvir a conversa que Joe e Dave tiveram depois disso”, disse um dos comentaristas no Youtube.
“Quero dar minha opinião sobre esse debate, mas nunca estive no estúdio do Joe”, debochou outro, incomodado com o argumento de autoridade de Murray sobre os checkpoints de Israel e do Egito para monitorar o que entra em Gaza — Smith, que nunca esteve por lá, chegou a classificar a Faixa de Gaza como algo próximo a um campo de concentração, mas amenizou a expressão após ser confrontado por Murray.
Os comentários da audiência reforçam o argumento de Murray contra esse modelo de distribuição de conteúdo que premia o diferente e o inusitado e, consequentemente, promove versões distantes da realidade. Essa lógica fortalece uma perspectiva, por exemplo, como a de que Winston Churchill foi o verdadeiro vilão da Segunda Guerra Mundial, e não Adolf Hitler.
“Besteira do tipo mais profundo”
“Se você apenas recebe a visão contrária, que é ‘não seria divertido se todos fingíssemos que Churchill foi o vilão do século 21?’, em algum ponto você vai levar as pessoas ao caminho no qual elas pensam que essa é a visão. E isso é uma besteira do tipo mais profundo”, resumiu Murray.
Rogan e Smith parecem atuar de boa-fé, e se comportaram de maneira admirável durante o debate, sem apelar ou se exaltar, enquanto Murray não conseguiu conter o incômodo de ter de verbalizar fatos óbvios, como o de que o Hamas utiliza a população de Gaza como escudo exatamente para alimentar o discurso usado pelo comediante com quem o jornalista debatia para desqualificar a atuação dos israelenses em Gaza.
Americanos
É digno de nota também a forma como os americanos tendem a argumentar sobre qualquer assunto do ponto de vista dos EUA, o que seria natural, desde que não levasse a distorções que acabam por prejudicar os próprios EUA. Murray argumenta, por exemplo, que os americanos tendem a supervalorizar sua influência no Oriente Médio.
A principal desvantagem de uma democracia no confronto com uma ditadura é a liberdade que sua própria população tem para questionar políticas. Isso foi sentido tanto nos debates sobre a guerra na Ucrânia — na Rússia, não há espaço para esse tipo de questionamento — quanto na guerra tarifária iniciada por Trump, que teve de corrigir sua rota após caos nos mercados e cobranças por mais clareza em seus objetivos.
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É desonesto e degradante chamar Zelensky de ditador para agradar à própria base — sob a perspectiva de que os americanos preferem gastar dinheiro com assuntos mais palpáveis dentro do próprio país — enquanto o presidente ucraniano tenta defender o território de seu país da ofensiva de um verdadeiro ditador. Mais do que isso: é entregar ainda mais vantagem a Putin, o agressor.
Alternativos?
Rogan, Smith e todos os outros advogados da liberdade de expressão não podem ignorar, enfim, que esse, entre outros podcasts, se tornou uma plataforma mainstream, e que não faz mais tanto sentido que se comporte e seja tratado como um conteúdo alternativo.
Questionado por Murray, Rogan reconheceu que conversou no programa com mais críticos da reação israelense ao ataque terrorista de 7 de outubro de 2023 do que com partidários de Israel preocupados com o enfrentamento ao Hamas. Caso Rogan fosse alternativo, esse questionamento não faria sentido, mas o fato é que hoje o podcaster tem uma das maiores plataformas dos Estados Unidos.
O alcance do Joe Rogan Experience demanda algum nível de responsabilidade, que é o que ocorreu com a imprensa tradicional — e a ironia é que os podcasts se fortaleceram diante da constatação de que o jornais não estavam mediando o debate direito, por ignorar determinadas perspectivas.
Diante da irresponsabilidade libertária dos podcasters, o maior risco, para além da disseminação de mentiras, é que surjam instituições ou autoridades com a intenção de regular esses conteúdos. É o que acabou ocorrendo no Brasil, um país sem a tradição de liberdade de expressão dos Estados Unidos.
A solução, contudo, é mais informação, e não menos — com conhecimento e responsabilidade, de preferência.
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Comentários (4)
Marcia Elizabeth Brunetti
14.04.2025 09:19No meu entender, penso que o maior podcaster do Brasil, Vilela (Inteligência Ltda.) é bem equilibrado. Ele leva assuntos polêmicos mas sempre busca discutir por diversos lados. Isso dá um equilíbrio.
Carlos Renato Cardoso Da Costa
13.04.2025 18:14De fato a dimensão do podcast exige do Joe seleção mais cuidada de quem ele recebe. Não é uma conversa de boteco alargada. Se há coisa que se espalha mais fácil do gripe é burrice.
Edson Biancato Bagio
13.04.2025 17:31Excelente artigo, Rodolfo.
MARCOS
13.04.2025 15:34Enfim, esse podcast tem como usuários os burros e ignorantes.