Escândalo dos móveis: cronologia mostra quem impediu a transparência Escândalo dos móveis: cronologia mostra quem impediu a transparência
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Escândalo dos móveis: cronologia mostra quem impediu a transparência

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Felipe Moura Brasil
10 minutos de leitura 20.03.2024 22:03 comentários
Análise

Escândalo dos móveis: cronologia mostra quem impediu a transparência

Lula, que defende um PL das Fake News contra os outros, deveria ser punido pela sua fake news, em tese, caluniosa. Mas há outro culpado nessa história

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Escândalo dos móveis: cronologia mostra quem impediu a transparência
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

1. 

Em 12 de janeiro de 2023, em café da manhã com a imprensa amiga, Lula disse que estava “tudo desarrumado” no Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República, e acusou Jair e Michelle Bolsonaro de terem levado os móveis: 

“Não sei como é que fizeram, por que [é] que fizeram, não sei se eram coisas particulares do casal, mas levaram tudo. Então a gente está fazendo uma reparação, sabe, porque aquilo é um patrimônio público, tem que ser cuidado.” 

“E agora o Palácio tá uma coisa assim… Pelo menos a parte de cima está uma coisa como se não tivesse sido habitada, porque tá tudo desmontado, não tem cama, não tem sofá. Não sei, possivelmente se fosse dele, ele tinha razão de levar mesmo, mas ali é uma coisa pública, eu não sei por que [é] que tem que levar a cama embora. Troca o colchão, troca a roupa de cama e dorme à vontade.” 

Em seguida, Lula alegou preocupação com o prazo de licitação para a compra de novos móveis e manifestou o desejo de “fazer um acerto” com o Tribunal de Contas da União (TCU) para driblar esse obstáculo. 

“Nós vamos levar um tempo. Eu tô preocupado, porque, se você for fazer licitação para comprar um colchão, para comprar uma cama, nós vamos demorar 90 dias; e eu sinceramente tô cansado de ficar no hotel porque não é o local adequado para você governar um país.” 

“Nós estamos tentando fazer a reforma. Eu não sei quanto tempo vai demorar ainda, porque vai depender de fazer um acerto com o Tribunal de Contas [da União] pra saber se é possível comprar as coisas em caráter emergencial sem passar por um processo de esperar 90 dias de uma licitação para comprar uma cama, para comprar um colchão. Senão, nós vamos ficar no hotel mais tempo que o necessário.” 

2. 

Em 8 de fevereiro de 2023, um grupo de deputados federais encaminhou ofício ao presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, solicitando informações e providências sobre a aquisição, por dispensa de licitação, de 11 móveis para a Presidência da República, junto a três empresas, no valor total de R$ 379.428,00. 

O valor total foi informado com base no extrato da dispensa de licitação (Nº 7) publicado no Diário Oficial da União cinco dias antes, em 3 de fevereiro de 2023

No pedido, os deputados citaram matérias da imprensa sobre as compras feitas pelo governo Lula, cuja Secretaria de Comunicação (Secom) havia emitido a seguinte nota: 

“Diante de inédito extravio, destruição e deterioração de mobiliário em imóveis da Presidência da República, foi necessário recompor esse patrimônio da Presidência.” 

Os deputados quiseram saber “para qual residência oficial o mobiliário adquirido foi destinado, se o Palácio do Planalto, o Palácio do Alvorada ou outros”. Eles afirmaram que, em 8 de janeiro, apenas o Palácio do Planalto foi “alvo de depredação criminosa” e que “não há no caso concreto elementos que justifiquem a dispensa da licitação”

Consideraram “no mínimo contraditório que o governo federal argumente, perante a sociedade brasileira, a necessidade de violar regras fiscais que irão impactar as contas públicas por vários anos, enquanto gasta milhares de reais com alguns poucos bens de luxo para uso pessoal da Presidência da República, sem explicar por que a aquisição desse bens não poderia ter sido feita de acordo com a regra e não a exceção, isto é, por meio de licitação pública em que se apurariam as propostas com critérios como melhor preço, maior desconto, melhor técnica e maior retorno econômico”

Cobraram do TCU, portanto, a análise de possível irregularidade. 

Assinaram o documento os deputados: 

Deltan Dallagnol, na época no Podemos/PR, hoje no Novo/PR; 

Adriana Ventura, Novo/SP; 

Alfredo Gaspar, União/AL; 

Gilson Marques, Novo/SC; 

Kim Kataguiri, União/SP; 

Luiz Philippe de Orleans e Bragança, PL/SP; 

Marcel Van Hattem, Novo/RS; 

Maurício Marcon, Podemos/RS; 

Pedro Aihara, Patriota/MG. 

3. 

Em 7 de março de 2023, a área técnica do TCU emitiu ofício recomendando que o tribunal conhecesse da representação e diligenciasse a Presidência da República, para que, no prazo de quinze dias, encaminhasse cópias de documentos e esclarecimentos. 

“Para a conclusão acerca da existência ou não de irregularidades na contratação em questão, que podem consistir na incorreta caracterização da situação emergencial e na contratação por valores acima dos praticados no mercado, é necessário solicitar, em diligência, cópia integral do processo que deu origem à contratação, em que constem os pareceres jurídicos e técnicos que a embasaram, a lista com a descrição detalhada dos móveis adquiridos, com os valores e as destinações individualizadas, e a pesquisa de preços realizadas para justificar os valores contratados”, dizia o parecer da Unidade de Auditoria Especializada em Contratações (AudContratações), do TCU. 

O documento foi assinado por Márcio Motta Lima da Cruz. 

4. 

Em 10 de abril de 2023, o relator Vital do Rêgo, contrariando a recomendação da área técnica do tribunal, decidiu não conhecer a representação e arquivar o processo. 

O ministro baseou sua decisão nos efeitos do 8/1, apontando a “gravidade da situação vivida sem precedentes no Brasil”. Em relação à dispensa de licitação, alegou que “todo o contexto imprevisto… mostra-se suficiente para caracterizar a urgência quanto à então necessidade de se promover o pronto reestabelecimento das instituições afetadas”. 

No entanto, Vital do Rêgo só listou quais foram os móveis danificados no Palácio do Planalto, limitando-se a narrativas genéricas sobre a deterioração do Palácio da Alvorada, incluindo a de “salas recebidas pelo atual governo inteiramente vazias”. 

De acordo com o relator, “a urgência se mostra pela necessidade de o líder da nação poder ter ao seu alcance todo o patrimônio de que dispõe a Presidência para seu uso na condição de Presidente da República e para poder promover reuniões estratégicas e receber visitas de chefes de estado, por exemplo”

“Enfim, organizar e retomar a rotina que envolve os prédios oficiais. Não seria razoável sustentar que tais compromissos pudessem ser adiados, ou ainda, realizados em ambientes sem mobiliário adequado em razão do trâmite burocrático licitatório que não teria prazo para ser finalizado, eis que essa aquisição não teve como ser planejada, escreveu Vital do Rêgo. 

Ao eximir o governo de apresentar esclarecimentos e documentos, o ministro impediu que fosse dada a devida transparência ao caso, atuando, na prática, como advogado-geral, antes de dispor de todos os elementos em jogo para poder tomar qualquer decisão com base em fatos objetivos. Ele não informou se houve o “acerto” aventado por Lula para a dispensa da licitação, nem, obviamente, para a dispensa da prestação de contas. 

Vital do Rêgo, assim como o atual presidente, havia sido alvo da alvo da Lava Jato, tendo chegado à condição de réu pela prática dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Ele respondia pelo suposto recebimento de 3 milhões de reais em propina da OAS para evitar que os executivos da empreiteira fossem convocados a depor na CPI da Petrobras, instaurada no Congresso em 2014 e da qual o então senador era presidente. 

Em 6 de abril de 2021, foi blindado pela Segunda Turma do STF, por um placar apertado de 3 votos a 2. Votaram pelo arquivamento do inquérito, como de costume: Ricardo Lewandowski (hoje ministro de Lula), Gilmar Mendes e Kassio Nunes Marques. Foram votos vencidos: Luis Edson Fachin e Cármen Lúcia. 

5. 

Em 11 de abril de 2023, a Folha de S. Paulo especificou que o governo Lula havia gastado R$ 196.770 em cinco móveis e um colchão para o Palácio da Alvorada. 

“Os gastos mais altos foram com o sofá com mecanismo elétrico (reclinável para a cabeça e os pés), que custou R$ 65.140, e com a cama, de R$ 42.230. As peças têm revestimento de couro italiano, 100% natural com tratamento exclusivo para evitar ressecamento.” 

A relação das peças foi obtida por meio da Lei de Acesso à Informação. 

Ao justificar a compra de móveis para a residência oficial da Presidência da República, a Secom afirmou que a mobília estava em “péssimo estado de manutenção”

6. 

Em 16 de abril de 2023, Michelle Bolsonaro publicou vídeo no Instagram sugerindo uma “CPI dos móveis do Alvorada”. Segundo ela, a família Bolsonaro preferiu usar os próprios móveis durante seu período no palácio, e as peças de que Lula e a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, sentiam falta estavam em depósitos. 

A ex-primeira-dama ainda criticou o casal pelas compras: 

“Os que pregam a humildade e a simplicidade não querem viver no simples”. 

7. 

Em 20 de março de 2024, o jornal publicou que o governo Lula encontrou os móveis do Palácio da Alvorada que o presidente dizia terem sido levados por Bolsonaro. São 261 bens cujo suposto desaparecimento havia motivado a compra de móveis de luxo. 

A Comissão de Inventário Anual da Presidência da República concluiu o levantamento do patrimônio do Alvorada para o período de 2022 e constatou que nenhum móvel ou bem estava extraviado. As informações foram confirmadas por O Antagonista

“Todos os móveis estavam no Alvorada. Lula incorreu em falsa comunicação de furto”, afirmou Jair Bolsonaro no X. 

A oposição na Câmara apresentou uma denúncia na PGR contra o presidente por falsa comunicação de crime e ato de improbidade administrativa

Lula, que defende um PL das Fake News a ser aplicado contra os outros, deveria ser punido pela sua fake news, em tese, caluniosa. 

Mas o Brasil nunca vai escapar de mentirosos contumazes e governos hipócritas, enquanto os tribunais, inclusive de contas, forem complacentes com eles. 

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