Com o X bloqueado, Brasil olha o mundo com óculos rachados
A gravidade da decisão de Xandão extrapola qualquer benefício, e isso é indiscutível
Para o bem ou para o mal, como indivíduos ou sociedade, só tomamos real ciência dos impactos de um evento importante – ou mesmo de uma catástrofe – com o passar dos dias, meses e anos após o acontecimento ou início dos fatos.
A morte de um ente querido, por exemplo, representa tal conceito como nada neste mundo. O período compreendido entre o passamento de um afeto e a aceitação (compreensão) da perda, chamado de luto, nos traz a exata dimensão da dor e das consequências.
A recente tragédia mundial, que foi a pandemia do coronavírus, até hoje nos apresenta a salgada conta da disrupção socioeconômica experimentada por cerca de um ano e meio. Talvez ainda leve mais tempo até podermos olhar para trás e finalmente “passar a régua”.
Pesos e medidas
A despeito de quaisquer questões jurídicas e políticas, ainda que obviamente devam ser levadas em conta, o bloqueio do X, no Brasil, começa, aos poucos, a apresentar o tamanho do estrago, independentemente do debate sobre censura e liberdade de expressão.
Os prejuízos materiais, causados pela ordem de bloqueio da plataforma, são literalmente incalculáveis, assim como o impacto às comunidades científica, jornalística, política e tantas outras que dependem, em grande medida, do acesso à rede para simplesmente trabalhar.
Se há, para alguns, justificativa legal – e até mesmo moral – que socorra o STF e o ministro Moraes, não há, lado oposto, qualquer argumento que legitime a falta de acesso de mais de 20 milhões de brasileiros aos próprios conteúdos, ou de terceiros, à margem da querela jurídica.
Justiça ou justiçamento
É comum, entre os operadores do Direito, a estrita observância da proporcionalidade e dos impactos dos pedidos e das decisões judiciais. Os riscos e as consequências devem ser sempre levados em conta, já que o prejuízo não pode ser maior que o benefício.
Uma ação por danos, por exemplo, que peça um determinado valor como reparação, deve levar em conta tanto o correto cálculo do prejuízo apurado como os riscos sucumbenciais em caso de insucesso. Não adianta pedir o mundo, levar uma ilha e ter de pagar um continente.
A gravidade da decisão de Xandão extrapola seu benefício, e isso é indiscutível. O orgulho pessoal do magistrado e questões ideológicas não podem se sobrepor às questões de ordem prática, real, que afetam dezenas de milhões de brasileiros, sob pena do mais crasso justiçamento, prática diametralmente oposta aos princípios da nossa Constituição. Aliás, ela ainda existe?
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