A meritocracia ‘pero no mucho’ de Romeu Zema
O governador faz bem em buscar o máximo de eficiência na gestão e premiar os servidores por metas cumpridas, mas tem de valer para todos
Empresário de sucesso, Romeu Zema “caiu sem paraquedas” na política ao aceitar, sem grande pretensão, disputar o governo de Minas em 2018. Apelidado de Chico Bento (um personagem caipira dos quadrinhos de Mauricio de Souza), por causa do forte sotaque de “mineiro do interior”, o atual governador do estado foi eleito na onda antipolítica que varreu o país após o auge da Operação Lava Jato e o impeachment de Dilma Rousseff em 2016.
Reeleito em primeiro turno, em 2020, Zema faz parte dos que se definem “liberais”, seja lá o que isso signifique no Brasil. Obcecado por produtividade, eficiência, corte de custos e outras práticas comuns ao mundo dos negócios, tem conseguido certo êxito e sua administração, em que pesem tantos problemas ainda existentes, mostra-se bem-sucedida, principalmente se comparada ao desastre protagonizado por Fernando Pimentel (PT).
Ele e seu partido, o Novo, defendem “em alto e bom som” a chamada meritocracia, um conceito tão amplo quanto repleto de interpretações e objeções. Grosso modo, seria algo como “premiação pelo mérito”, ou seja, destinar os melhores cargos, salários e benefícios a quem, por esforço e capacidade individuais, os merecesse. Zema e o Novo também defendem a diminuição do Estado e a menor interferência possível na economia.
Mas na prática…
Tais conceitos, contudo, parecem relativizados – ou alargados – pelo governador mineiro e sua legenda. São diversos os exemplos, a começar por secretarias e cargos que foram criados para abrigar indicações e parceiros políticos. O ex-deputado federal Marcelo Aro (PP) ilustra bem o caso, já que é o atual secretário de uma pasta antes inexistente no governo, a Secretaria de Estado de Casa Civil.
Outro exemplo de “meritocracia alargada” pode ser encontrado na Empresa Mineira de Comunicação (EMC), vinculada à Secretaria de Estado de Comunicação (Secom), que reúne as Rádios Inconfidência AM e FM, a Rede Minas (TV) e a plataforma de streaming EMCPLAY. Nota-se, portanto, que nem só de EBC (Empresa Brasileira de Comunicação) padecem os bolsos dos contribuintes brasucas. Haja impostos!
O diretor de Programação e Conteúdo da empresa é o jornalista Leonardo Vitor, empresário, ex-membro do Movimento Brasil Livre (MBL) e coordenador do Novo em Minas Gerais. Sem fazer juízo de valor sobre as aptidões e o currículo de Leonardo, profissionais bem mais experientes e renomados poderiam – e deveriam, sob a ótica da meritocracia – ocupar o cargo. Certamente, no caso, pesou a afinidade partidária.
Aumento de 300%
Em meio a um endividamento de 165 bilhões de reais, que coloca Minas entre os três estados com maiores débitos com a União, e uma interminável discussão sobre Regime de Recuperação Fiscal (RRF) ou planos de pagamento discutidos em Brasília junto ao governo federal, com a participação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), Zema concedeu a si e a seu secretariado um aumento de quase 300% nos vencimentos.
A justificativa, à época – plausível, por sinal – era de que o estado pagava um dos piores salários do país, o que impossibilitava a contratação de quadros qualificados. Em recente entrevista à CNN Brasil, Zema afirmou: “No passado, os secretários tinham os jetons. Ganhavam muito mais do que hoje. Isso não sai em jornal nenhum. Não vejo ninguém falar. Sou um governo que preza pela transparência, se está lá que meu secretário ganha X é porque ele ganha X.”
Porém, segundo dados do Portal da Transparência do Estado de Minas Gerais, diversos secretários de governo recebem jetons, como os casos do secretário de Saúde, Fábio Baccheretti, que recebeu a gratificação em 31 dos 39 meses de governo, e a ex-secretária de Planejamento e Gestão, Luísa Barreto, que apenas em outubro de 2022 recebeu quase 150% a mais que o salário líquido com jetons, conforme apurou o Portal UAI.
Haja mérito
Ainda segundo a matéria, o secretário de Fazenda nos cinco primeiros anos do governo, Gustavo Barbosa custou mais de três milhões de reais: “Entre repasses feitos pelo estado à Caixa Econômica Federal, onde ele é funcionário de carreira, salários como secretário e jetons, a remuneração mensal média de Barbosa foi de R$ 53.184,81 entre 2019 e 2023, conforme conferido no Portal da Transparência do governo estadual.”
Segundo o mesmo Portal da Transparência, três quartos dos servidores estaduais recebem até quatro salários mínimos federais. Essa turma precisaria trabalhar mais de 11 anos para ganhar o mesmo que Barbosa, por exemplo, ganhou em apenas um. É difícil imaginar que ou falte tanta meritocracia nestes três quartos de servidores ou não sobre “meritocracia” para o secretariado de Zema, se é que me compreendem a colocação.
Em um país tão desigual quanto o Brasil, em que o CEP de nascimento praticamente define o futuro da maioria absoluta dos cidadãos, a tal meritocracia deve ser sempre muito bem avaliada e contextualizada. Romeu Zema faz bem em buscar o máximo de eficiência na gestão do estado e premiar os servidores por metas cumpridas, mas isso deve valer para todos e de forma equânime. Ou seja, não basta apenas crer em meritocracia; há que se praticar.
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