A Lava Jato não destruiu a economia do Brasil
Ideia de que a operação prejudicou a economia e especialmente o setor de construção não sobrevive à análise
A Lava Jato é frequentemente acusada pelos amigos da corrupção de ter prejudicado a economia brasileira – especialmente o setor de construção civil.
O ministro da Justiça Ricardo Lewandowski (foto) era particularmente adepto desse discurso quando ainda atuava no STF. Costumava dizer em plenário, com aquela voz compungida que lhe é característica, que o combate à corrupção não pode destruir empresas.
Isso é conversa fiada de quem está preocupado com a saúde de algumas corporações que se beneficiaram historicamente do capitalismo de cartas marcadas. Nem o setor de engenharia nem a economia brasileira se confundem com os interesses desse pequeno grupo de atores que distorceram por décadas o funcionamento do mercado.
Mudanças no setor
O jornal O Globo publicou nesta segunda-feira uma reportagem sobre empresas da Lava Jato que jã podem ser contratadas novamente pelo setor público e sobre as mudanças no setor de engenharia na última década. Três fatos se destacam.
Primeiro, houve de fato um encolhimento considerável no faturamento global das 100 maiores construtoras do país: ele caiu de R$ 138 bilhões em 2013 para R$ 56,5 bilhões em 2022.
Em segundo lugar, o encolhimento das grandes construtoras pilhadas na Lava Jato propiciou o surgimento de novos concorrentes.
Empresas estrangeiras, chinesas e europeias em particular, assumiram obras de infraestrutura no país.
Além disso, pequenas e médias construtoras nacionais formaram consórcios para ganhar obras ou conseguiram criar musculatura por conta própria, modificando de maneira significativa o ranking das dez maiores do setor, como mostrou o jornal.
Coitadismo
Os dois primeiros movimentos – queda no faturamento e empresas estrangeiras conquistando espaço – sugerem que a Lava Jato de fato ajudou a abalar o setor. Mas nem por isso o coitadismo de empresários que basearam seu modelo de negócio nos cartéis e no pagamento de propina deve ser legitimado.
A Lava Jato não foi responsável sozinha por nada que tenha acontecido no setor de construção civil. Fatores como a pandemia e a crise fiscal do governo, que impede o investimento em grandes obras de infraestrutura, também precisam ser levados em conta.
Além disso, Odebrecht e Andrade Gutierrez, duas gigantes que caíram nas malhas da Lava Jato, nem sequer despencaram no ranking das maiores empreiteiras: continuam ocupando a primeira e a segunda posições (OEC é braço de engenharia da Novonor, novo nome da Odebrecht).
Momento promissor
Na reportagem de O Globo, a ideia de que a Lava Jato “destruiu valor” aparece numa declaração do consultor Gesner Oliveira: “ Não se pode destruir o valor do capital humano de companhias, que leva anos para ser construído”, afirma ele.
Não há sinal de que isso tenha acontecido. A engenharia brasileira não morreu, como prova o surgimento de novas empresas no lugar daquelas que imperavam num ambiente viciado.
Mais ainda. Segundo a revista especializada O Empreiteiro (fonte do ranking do Globo), a receita das 195 maiores empresas do setor cresceu 37,45% em 2022. O desempenho das 100 maiores foi ainda melhor, com aumento de 42,15% em faturamento. O tom geral da publicação é de otimismo com a retomada dos investimentos públicos e privados nos próximos anos.
Quem lamenta que empresas que jogam sujo tenham perdido mercado defende uma variação do “rouba, mas faz”. O Antagonista prefere o “aqui se faz, aqui se paga”, porque sabe que a corrupção traz benefício a poucos e é inimiga do desenvolvimento, como não se cansam de mostrar os estudiosos desse fenômeno.
Medo de transparência
Em vez de preocupar-se tanto com o futuro de um punhado de empresas, aqueles que estão no STF e outros órgãos de controle deveriam estar mais alertas àquilo que ainda falta para que a concorrência no Brasil seja de fato limpa.
Na mesma edição em que fez o ranking das construtoras, a revista O Empreiteiro relatou que procurou as contratantes públicas e privadas das maiores obras Transportes, Saneamento, Energia, Petróleo e Gás e complexos industriais realizadas em 2022, pedindo que nomeassem as empresas responsáveis pelas obras. “O resultado foi pobre”, diz a publicação. “Com raríssimas exceções, os nomes foram omitidos, ‘por normas internas dos contratantes’”.
Mesmo depois da Lava Jato, o Brasil continua viciado em sombras.
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