A gravidade da Vaza Toga A gravidade da Vaza Toga
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A gravidade da Vaza Toga

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Felipe Moura Brasil
6 minutos de leitura 14.08.2024 15:12 comentários
Análise

A gravidade da Vaza Toga

A julgar por áudios e mensagens de WhatsApp vazadas, Moraes não só comanda a investigação, mas também direciona a coleta de provas, mantendo-se ainda como acusador e julgador dos alvos

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Felipe Moura Brasil
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A gravidade da Vaza Toga
Foto: Antonio Augusto/SCO/STF

I. Introdução

O ponto central do escândalo que batizei de Vaza Toga é a confecção de relatórios pelo TSE sob encomenda clandestina do gabinete de Alexandre de Moraes no STF para embasar, inclusive com apontamento de irregularidades pré-determinadas e artificialmente concebidas, decisões do ministro do Supremo contra ativistas e veículos alinhados a Jair Bolsonaro.

A julgar por áudios e mensagens de WhatsApp do principal assessor de Moraes no STF, Airton Vieira, e do então chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação, do TSE, Eduardo Tagliaferro, o ministro não só comanda a investigação, mas também direciona a coleta transinstitucional de provas, mantendo-se ainda como acusador e julgador dos alvos.

Ninguém precisa compactuar com posições e publicações bolsonaristas para enxergar no material divulgado pela Folha — e nas palavras do próprio jornal — que “o setor de combate à desinformação do TSE, presidido à época por Moraes, foi usado como um braço investigativo do gabinete do ministro no Supremo”.

II. Os exemplos mais ilustrativos:

1.

Em 22 de novembro de 2022, Airton Vieira (STF) enviou a Eduardo Tagliaferro (TSE) prints de mensagens de Moraes que mostram o ministro encaminhando postagens feitas por um blogueiro bolsonarista em redes sociais e, junto com a primeira delas, dando a seguinte ordem a seu assessor: “Peça para o Eduardo analisar as mensagens [a rigor, postagens] desse para vermos se dá para bloquear e prever multa.”

Na primeira postagem encaminhada — a única que aparece inteira no print exposto pela Folha —, o blogueiro compartilhava um vídeo com a abertura do Jornal Nacional daquele dia e questionava o apresentador e editor do programa da Globo: “Nada do PL contestando o TSE, Bonner?” Na verdade, a notícia da contestação do resultado do segundo turno presidencial pelo partido de Bolsonaro não constou na “escalada” de manchetes, tomada por jogos da Copa do Mundo e pelas mortes dos cantores e compositores Erasmo Carlos e Pablo Milanés, mas foi dada na mesma edição do JN.

Como a postagem só mostra ativismo bolsonarista com meia-verdade, e até para os padrões de Moraes seria bizarro usá-la para punir, o ministro parece tê-la compartilhado para apontar a Airton a conta “desse” blogueiro no X, tendo em seguida encaminhado outras postagens, ainda não integralmente expostas. “Capriche no relatório, por favor. Rsrsrs”, pediu Airton a Tagliaferro.

No dia seguinte, 23, Tagliaferro enviou o relatório, atribuindo a origem do material avaliado a informações recebidas de parceiros do setor: “Através de nosso sistema de alertas e monitoramentos realizados por parceiros deste Tribunal, recebemos informações de frequentes postagens realizadas pelo perfil” do referido blogueiro no X, “no qual informam existir diversas postagens ofensivas contra as instituições, Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior Eleitoral”, diz o documento.

A julgar pelas mensagens, portanto, Tagliaferro encobriu, com atribuição a colaboradores genéricos, a atuação de Moraes, por intermédio de Airton, no encaminhamento do material.

Onze dias depois, em 4 de dezembro de 2022, Tagliaferro não só confessou sua apreensão com esse modelo de envio, como também sugeriu outra forma de acobertamento.

“Temos que tomar cuidado com essas coisas saindo pelo TSE. É seu nome”, disse ele a Marco Antônio Vargas, juiz auxiliar de Moraes no TSE, antes de sugerir um caminho para “aliviar isso”. “Nem que crie um e-mail para enviar para nós uma denúncia.”

Vargas havia questionado se o “Dr. Airton está te passando coisas no privado?” e até brincado com o risco processual do método: “Falha na prova. Vou impugnar”, disse ele.

Relatórios produzidos com métodos clandestinos podem levar, de fato, à anulação de provas, como vem ocorrendo, por muito menos, no STF, quando é conveniente a ministros da Corte.

2.

A preocupação com a clandestinidade também apareceu em outras mensagens.

“Formalmente, se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada, digamos assim. Como um juiz instrutor do Supremo manda [um pedido] pra alguém lotado no TSE e esse alguém, sem mais nem menos, obedece e manda um relatório, entendeu? Ficaria chato”, disse Airton a Tagliaferro em áudio.

É mesmo “chato” para autoridades que se arrogam a defesa do Estado Democrático de Direito escancarar que um tribunal superior produz relatórios direcionados contra ativistas e veículos de um grupo político, com base em pedidos extraoficiais de outro tribunal superior.

Haja hipocrisia.

3.

O ímpeto persecutório ainda ficou evidente na seguinte mensagem de Airton:

“Vamos levantar todas essas revistas golpistas para desmonetizar nas redes.”

Tagliaferro avisou que encontrou apenas “publicações jornalísticas” em uma delas, que “não estavam falando nada” e perguntou o que, então, ele deveria colocar no relatório.

“Use a sua criatividade… rsrsrs”, respondeu Airton. “Pegue uma ou outra fala, opinião mais ácida e… O Ministro entendeu que está extrapolando com base naquilo que enviou…”

“Vou dar um jeito rsrsrs”, prontificou-se Tagliaferro.

A conversa escancara a disposição para turbinar supostas irregularidades artificialmente, de modo a que Moraes justificasse uma decisão contra a revista.

III. Vazamento

“A Folha obteve o material com fontes que tiveram acesso a dados de um telefone que contém as mensagens, não decorrendo de interceptação ilegal ou acesso hacker.”

As provas, portanto, são lícitas. Não que o STF tenha problema em fazer ilações sobre o conteúdo não autenticado de provas ilícitas — quando convém à impunidade geral, claro.

IV. Alegação

Em nota ensaboada, que não menciona as mensagens, o gabinete de Moraes alegou que os procedimentos foram regulares e se escorou na Procuradoria-Geral da República, como se bastasse sua “ciência” para que o STF solicitasse relatórios ao TSE via zap.

A PGR, na época das mensagens, era chefiada por Augusto Aras, indicado por Jair Bolsonaro.

Aras, que acabou com a Lava Jato, costuma sair mais em defesa de ministros do STF que de ativistas bolsonaristas, mas, se possível, sai em defesa de todos ao mesmo tempo.

Quem manda agora na PGR é Paulo Gonet, ex-sócio de Gilmar Mendes, aliado de Moraes.

V. Toma lá, dá cá?

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, por ora, vai “segurar” o pedido de impeachment de Moraes apresentado pela oposição em decorrência da Vaza Toga.

No Brasil, a sujeira de uma autoridade vira não um motivo de saneamento da administração pública, mas instrumento de barganha para que outras se limpem ou tenham seus interesses atendidos.

Daí a sujeirada permanente.

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