A festa de Babette contra a ceia da intolerância A festa de Babette contra a ceia da intolerância
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A festa de Babette contra a ceia da intolerância

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Alexandre Borges
7 minutos de leitura 29.07.2024 11:41 comentários
Análise

A festa de Babette contra a ceia da intolerância

Se Thomas Jolly, diretor artístico do evento, realmente quis se inspirar na "Festa dos deuses" e todos entenderam que era a "Última Ceia", ele falhou como comunicador e artista

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Alexandre Borges
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A festa de Babette contra a ceia da intolerância
Foto: Reprodução

Depois da polêmica cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris 2024, envolvendo uma performance com drag queens que, de forma vulgar e erótica, teriam encenado uma paródia da “Última Ceia” de Leonardo da Vinci, viralizou nas redes sociais uma justificativa débil, mas que ganhou alguma tração: a inspiração da performance teria vindo de outro quadro, da “A Festa dos deuses”, do pintor holandês Jan Harmensz van Bijlert.

A colocação de um Dionísio/Baco azul na frente, interpretado pelo ator Philippe Katerine, seria a “prova” de que a ideia era fazer referência ao quadro do holandês, o que os organizadores da festa não confirmaram nem negaram. Faltou explicar, por exemplo, o que um tampo metálico (veja a foto), igual ao que se usa em banquetes, está fazendo acima dos atores, além do Papai Smurf, perdão, Dionísio/Baco, em destaque, deitado, como se servido num prato.

A “Última Ceia” de Leonardo da Vinci (1498) é uma das pinturas mais reconhecidas e admiradas do mundo, desde a sua conclusão. Esta obra-prima está profundamente enraizada no imaginário popular global, sendo imediatamente identificada e lembrada por pessoas de quase todas as culturas.

Já a “Festa dos deuses” (1630) é uma obra relativamente obscura, pouco conhecida fora de círculos especializados em arte. O original está localizado no Musée Magnin, em Dijon (não confunda com a maravilhosa mostarda), na Borgonha. Se você nunca tinha ouvido falar, fique tranquilo, você está na companhia de quase todo o resto do planeta.

O responsável pela performance, Thomas Jolly, disse numa coletiva no sábado, 27: “Acho que ficou bem claro… tem Dionísio, que chega nessa mesa. Ele está lá, porque é deus da festa (…), do vinho, e pai de Sequana, deusa aparentada ao rio (…) A ideia era antes ter um grande festival pagão ligado aos deuses do Olimpo… Olimpo… Olimpíadas “. Festa estranha, como diria Renato Russo.

Se Thomas Jolly, diretor artístico do evento, realmente quis se inspirar na “Festa dos deuses” e todos entenderam que era a “Última Ceia”, ele falhou como comunicador e artista numa festa que deveria ser uma celebração da cultura francesa e do espírito olímpico para todo o mundo e não apenas para seu círculo de amigos. Faltou sensibilidade, inteligência e savoir-faire.

A imagem compartilhada no Instagram pela DJ Barbara Butch (@barbarabutch), que interpretou “Jesus” na performance, revela uma clara intenção de parodiar a “Última Ceia”. Em seu story, ela postou uma montagem comparando a performance com a obra de Da Vinci, acompanhada da legenda “OH YES! OH YES! THE NEW GAY TESTAMENT!” (“SIM! SIM! O NOVO TESTAMENTO GAY!”). Em outro story, ela se chama de “Jesus Olímpico” e diz que Jolly deveria ser “presidente do mundo”. Faltou combinar com ela a versão sobre a pintura holandesa.

Mesmo na época de sua criação, “A Última Ceia” já causou um grande impacto cultural. Giorgio Vasari, um famoso biógrafo de artistas renascentistas, descreveu a obra como “uma bela e maravilhosa coisa” já no século XVI. A pintura de Da Vinci foi amplamente estudada, com gravuras e cópias espalhadas pela Europa.

É inconcebível que Jan van Bijlert não conhecesse. A influência de “A Última Ceia” pode ser observada na composição de “A Festa dos deuses” até por não iniciados em arte. Embora os temas sejam diferentes, a semelhança na estrutura básica – figuras reunidas em torno de uma mesa – é evidente. Esse tipo de composição era popular entre os artistas do período barroco, que muitas vezes buscavam inspiração nas obras-primas renascentistas.

Considerando a cronologia das obras e o contexto histórico-artístico, é claro que obra de Leonardo da Vinci influenciou “A Festa dos deuses”. A “Última Ceia” foi pintada entre 1495 e 1498, enquanto a do holandês foi criada aproximadamente entre 1635 e 1640, quase 150 anos depois. Isso não diminui a originalidade da obra de van Bijlert, claro, mas essa não é a questão.

A apresentação dividiu a própria França. A deputada Marion Maréchal, sobrinha de Marine Le Pen, foi às redes sociais pedir desculpas pelo que viu. Em um post no X, ela escreveu: “A todos os cristãos do mundo que estão assistindo à cerimônia de #Paris2024 e se sentiram insultados por essa paródia drag queen da Última Ceia, saibam que não é a França que está falando, mas uma minoria de esquerda pronta para qualquer provocação“. A deputada acrescentou a hashtag #notinmyname (“não em meu nome”).

O movimento LGBTQI+ (espero ter acertado as letras) frequentemente recorre a paródias do cristianismo. Em 2015, para ficar num exemplo próximo, durante a Parada do Orgulho LGBT em São Paulo, uma transexual seminua desfilou pregada a uma cruz, simulando a crucificação de Cristo. Ainda na mesma parada, participantes usaram fantasias representando Jesus em um beijo gay e crucifixos em atos sexuais. Como diriam os franceses, um déjà vu.

Já do lado religioso, o Papa Francisco sempre destaca a importância do acolhimento, como descrito no documento “Fiducia Supplicans”, divulgado em dezembro, que propõe uma abordagem mais inclusiva para todos, incluindo gays. Francisco reiterou que a missão da Igreja é oferecer apoio espiritual a quem quiser e precisar, sem exceção. Ele explicou que a bênção é um gesto de proximidade e amor destinado às pessoas envolvidas, e não à união homossexual em sim, como foi divulgado por parte da imprensa.

O Cardeal Victor Manuel Fernández enfatizou que essas bênçãos não representam um endosso a estilos de vida contrários aos ensinamentos católicos, mas são um gesto de acolhimento que não conflita com a doutrina da Igreja. O Papa Francisco continua a promover uma visão pastoral de uma Igreja sempre aberta ao diálogo, reforçando a ideia de que a fé deve ser um caminho de amor e aceitação de todos e para todos.

A performance da abertura dos jogos olímpicos de Paris contrasta fortemente com “A Festa de Babette”, filme de 1987 falado em francês, com atores franceses e uma história profundamente enraizada na cultura e nas tradições do país de Thomas Jolly. O filme foi premiado com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e virou um clássico da sétima arte.

Babette (Stéphane Audran) é uma chef francesa refugiada que, após ganhar na loteria, decide gastar todo o prêmio para preparar um banquete luxuoso para os aldeões de um vilarejo interiorano. Este gesto de sacrifício e amor transforma os aldeões, trazendo alegria e união à comunidade.

Enquanto “A Festa de Babette” celebra a generosidade, o sacrifício pessoal e a capacidade de unir as pessoas através da arte e da boa comida, a ceia intolerante de Thomas Jolly, que alienou mais de 2 bilhões de cristãos, foi apenas ofensiva, bizarra e gratuita, contribuindo para um mundo ainda mais polarizado.

“A Festa de Babette”, baseada num conto da escritora dinamarquesa Karen Blixen, entrou para a história. O rendez-vous de Thomas Jolly desponta para o anonimato. C’est la vie!

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