É impossível amar o STF É impossível amar o STF
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É impossível amar o STF

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Carlos Graieb
6 minutos de leitura 15.09.2023 19:35 comentários
Opinião

É impossível amar o STF

Nesta quarta-feira (13), o advogado e desembargador aposentado Sebastião Coelho encerrou sua defesa do primeiro réu julgado no STF pelo 8 de Janeiro com uma frase brutal, dirigida aos integrantes da corte: “Senhores ministros, nessa bancada estão as pessoas mais odiadas do país.” Relator do processo, o ministro Alexandre de Moraes, que começou a votar … Continued

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É impossível amar o STF
Foto: Carlos Moura/SCO/STF

Nesta quarta-feira (13), o advogado e desembargador aposentado Sebastião Coelho encerrou sua defesa do primeiro réu julgado no STF pelo 8 de Janeiro com uma frase brutal: “Senhores ministros, nessa bancada estão as pessoas mais odiadas do país.”

Relator do processo, o ministro Alexandre de Moraes, que começou a votar pouco depois, optou por não valorizar o incidente – mas tampouco o deixou sem resposta. “Esses extremistas que não gostam do Supremo Tribunal Federal são a minoria. Isso ficou demonstrado nas urnas e nos atos golpistas, que uma minoria praticou”, disse ele.

A verdade parece estar num ponto entre as duas frases, como demonstram números da pesquisa A Cara da Democracia que, coincidentemente, também foram divulgados na quarta-feira. Segundo a investigação conduzida pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação (IDCC), 36% dos brasileiros dizem não confiar no STF atualmente, enquanto apenas 14% afirmam confiar muito na instituição. Nesta sexta, 15, o Datafolha mostrou dados parecidos: 38% de desconfiança e 20% de aprovação.

Não há ódio generalizado, ao contrário do que prega o antigo desembargador – que, por sinal, discursou contra o STF no acampamento dos bolsonaristas em Brasília. Mas a corte não desfruta de toda a legitimidade que Moraes lhe atribui.

As razões para o desprestígio estão todas encapsuladas no voto que o ministro Dias Toffoli (foto) publicou na semana passada, anulando em definitivo todas as provas oriundas do acordo de leniência da Odebrecht (atual Novonor), especialmente aquelas encontradas no célebre “departamento da propina” da empreiteira.

As quatro páginas finais da decisão de Toffoli têm um tom dramático, até mesmo patético (no sentido corriqueiro de “lastimável” e também no sentido etimológico de “denotarem emoções fortes”), que talvez aponte para motivações pessoais.

Toffoli foi mencionado nos autos da Lava Jato. Ele aparece na delação de Marcelo Odebrecht, que lhe atribui o apelido de “amigo do amigo de meu pai” em discussões sobre uma licitação que a construtora disputava. A delação dá a entender que o então advogado-geral da União poderia ajudar a promover os interesses da empresa.

Sabe-se também que Toffoli recentemente pediu perdão a Lula por ter proibido que ele, então preso numa sala da Polícia Federal em Curitiba, comparecesse ao velório de um de seus irmãos. Toffoli confessou esse arrependimento ao atual presidente em um evento público e a imprensa registrou o fato.

A linguagem de Toffoli nas páginas finais de sua decisão tem algo de um pedido de desculpas. Lula teria sido vítima de “um dos maiores erros judiciários da história do país”. A Lava Jato, por sua vez, não seria mais do que uma “armação”, “uma verdadeira conspiração, com o objetivo de colocar um inocente como tendo cometido crimes jamais por ele praticados”.

Num país que realmente levasse a sério as regras de impedimento e suspeição processual, Toffoli teria se abstido de proferir essa sentença. Assim como a corte deveria ter impedido os seus integrantes de atuar em processos patrocinados pelos escritórios onde trabalham seus cônjuges e parentes próximos, ao contrário do que fez numa decisão recente.

O STF, no entanto, parece estar convencido de que a nomeação para STF livra os ministros, a priori, de quaisquer dúvidas sobre sua isenção. Livra-os, até mesmo, da necessidade de parecerem isentos. Parcialidade seria um desvio de que apenas juízes de instâncias inferiores – como um Sergio Moro, por exemplo – poderiam ser culpados.

Toffoli não se absteve de julgar. Em vez disso, deu sua contribuição à obra coletiva de destruição da Lava Jato que vem sendo levada a cabo no STF: transformou em pó jurídico o extraordinário repositório de informações representado pelos sistemas Drousys e Mywebday, onde a Odebrecht mantinha seus registros de pagamento de propina e caixa 2.

Na segunda-feira (11), a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) recorreu da decisão de Toffoli, mostrando que ela está baseada em uma tese falsa: que a Lava Jato ignorou os canais oficiais de colaboração entre países para trazer da Suíça os dois sistemas. A ANPR demonstrou que o pedido de compartilhamento de provas foi feito no momento adequado e ainda forçou o Ministério da Justiça a reconhecer que tinha registro desse fato, ao contrário do que vinha afirmando até agora – um escândalo à parte.

Como se isso não bastasse, haveria um outro motivo para que as provas não fossem todas jogadas no lixo.  O mesmo conjunto de informações chegou à Lava Jato por outro caminho: a Odebrecht cuidou de extraí-las das bases de dados de maneira autônoma e as entregou voluntariamente aos investigadores. Ou seja, ainda que as provas obtidas na Suíça pelo Ministério Público estivessem de alguma maneira “contaminadas”, restariam as provas entregues espontaneamente pela Odebrecht.

É nesse ponto que Toffoli dá um salto gigantesco, que o afasta do campo propriamente jurídico. Ele passa a tratar a Lava Jato como um projeto de tomada do poder político. Segundo essa interpretação muito peculiar da história recente do Brasil (que Toffoli compartilha com outros ministros do STF), a maior operação de combate à corrupção já deflagrada no país foi, na verdade, “o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições que já se prenunciavam em ações e vozes desses agentes contra as instituições e o próprio STF”.

Toffoli, em outras palavras, quer estabelecer uma ligação umbilical entre o delírio do 8 de Janeiro e a Lava Jato – operação inaugurada em 2014, tendo um doleiro como alvo. Ele quer fazer crer que a indignação com a corrupção sistêmica e com o financiamento de partidos políticos com dinheiro roubado da Petrobras, que desfigurou por anos o jogo da democracia brasileira, equivale ao desejo de derrubar o Estado de Direito com um golpe encabeçado pelos militares.

Isso é absurdo. O único ponto de contato entre uma coisa e outra é a percepção de que o Brasil, historicamente, tem sido um país onde a lei não alcança certas castas privilegiadas – onde a lei não é igual para todos. Só isso. É perfeitamente possível indignar-se com esse estado de coisas e exasperar-se pela maneira como o STF contribuído com ele sem desejar, ao mesmo tempo, que o Exército tome Brasília de assalto.

Ódio é um sentimento venenoso, que deveria ser purgado do ambiente público. Nada de bom virá dele. Digamos então de outra maneira: tornou-se impossível amar o STF. Os ministros do tribunal deveriam refletir sobre o cenário detectado pela pesquisa A Cara da Democracia se não querem que ele piore ainda mais.

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Carlos Graieb

Carlos Graieb é jornalista formado em Direito, editor sênior do portal O Antagonista e da revista Crusoé. Atuou em veículos como Estadão e Veja. Foi secretário de comunicação do Estado de São Paulo (2017-2018). Cursa a pós-graduação em Filosofia do Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

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