Os inimigos de Shinzo Abe
Shinzo Abe foi assassinado ontem durante um comício em Nara, capital da província homônima. O autor do magnicídio é Tetsuya Yamagami, ex-militar das Forças de Autodefesa do Japão. Para o crime, ele usou uma escopeta de fabricação caseira, artifício que dificulta a rastreabilidade do armamento e, consequentemente, a identificação de um eventual mandante...
Shinzo Abe foi assassinado ontem durante um comício em Nara, capital da província homônima. O autor do magnicídio é Tetsuya Yamagami, ex-militar das Forças de Autodefesa do Japão. Para o crime, ele usou uma escopeta de fabricação caseira, artifício que dificulta a rastreabilidade do armamento e, consequentemente, a identificação de um eventual mandante.
Afinal, quem teria motivo suficiente para assassinar o popular ex-premiê japonês? Ele tinha inimigos internos ou externos? Artigo do professor PhD Ted Gover, da Claremont Graduate University, publicado em dezembro passado, pode dar algumas pistas.
No início daquele mês, Abe fez um importante discurso no Institute for National Policy Research, com sede em Taipei, no qual expôs sua preocupação com a segurança regional, distribuindo recados, tanto ao atual governo japonês como à ditadura chinesa.
O ex-premiê disse que o Japão não ficaria inerte diante de um ataque da China a Taiwan. Suas declarações foram carregadas de referências ao discurso de Ronald Reagan a Mikhail Gorbachev, em 1987, no qual cobrou a derrubada do Muro de Berlim.
Destaca Gover em seu texto: “Abe mencionou o nome do presidente chinês Xi Jinping três vezes durante seu discurso, enfatizando que a aliança EUA-Japão consideraria uma crise de segurança de Taiwan como ’emergência’. Abe continuou instando Xi a não ‘trilhar o caminho errado’, afirmando que uma ofensiva chinesa contra a ilha levaria ao ‘suicídio econômico’ e advertiu que Xi não deveria deixar de entender a gravidade da situação. Abe também afirmou que ‘uma Taiwan que garante a liberdade e os direitos humanos’ é do ‘interesse do Japão’ e ‘… do interesse de todo o mundo’.”
Para o professor, o discurso de Abe teve dois objetivos claros. “Primeiro, marcar fortemente a posição do Japão diante das ameaças da China a Taiwan. Segundo, constranger politicamente o novo primeiro-ministro, Kishida Fumio, e seu ministro das Relações Exteriores, Hayashi Yoshimasa”, considerados pouco assertivos contra Pequim.
O risco geopolítico de uma invasão chinesa é óbvio, mas o discurso de Abe contrariou até mesmo a política de “ambiguidade estratégica” mantida por Washington. Naturalmente, não caiu no vazio; antes, serviu para ecoar declarações dadas pelo vice-premiê, Aso Taro, que, em julho de 2021, considerou um ataque chinês a Taiwan como uma “ameaça existencial” que exigiria uma resposta conjunta de EUA e Japão.
O contexto externo é complexo.
Gover lembra que o Livro Branco da Defesa, divulgado no ano passado pelo governo japonês, se refere a Taiwan pela primeira vez como parte integrante do sistema de segurança e paz do leste da Ásia. Também aponta um aumento significativo nos gastos com defesa e novas parcerias com países europeus, ao mesmo tempo em que aprofunda os laços com membros do Quad – iniciativa indo-pacífica de defesa que engloba Japão, Índia, Austrália e EUA.
O contexto interno também não é simples.
Enquanto Abe integrava a ala conservadora do Partido Liberal Democrata japonês, Fumio faz parte do grupo mais ao centro, enquanto Yoshimasa seria de tendência pró-China — e estaria sendo estimulado internamente a suceder o atual primeiro-ministro. “O discurso de Abe pode ser visto como um esforço para influenciar o governo Kishida e manter uma política dura em relação a Pequim”, diz o analista.
Para o consultor Timothy Langley, do Langley Esquire, consultoria de relações públicas com sede em Tóquio, os comentários de Abe em dezembro teriam mais a intenção de “prejudicar politicamente o ministro das Relações Exteriores”. Ele explica que as famílias dos dois (Abe e Yoshimasa) são velhas rivais políticas da província de Yamaguchi.
A população da região vem caindo nas últimas décadas, o que deve fazê-la perder pelo menos uma cadeira na Câmara dos Deputados, intensificando a rivalidade entre as famílias. Quando foi morto, Abe estava em plena campanha para ocupar o assento remanescente.
Seja qual for o desdobramento das investigações sobre o assassinato de Abe, a presidente taiwanesa, Tsai Ing-wen, fez questão de ressaltar, em nota pública, que “não só a comunidade internacional perdeu um líder importante, mas Taiwan também perdeu um amigo importante e íntimo”. “Taiwan e Japão são ambos países democráticos com Estado de Direito, e nosso governo condena severamente os atos violentos e ilegais.”Leia-se: internos e externos.
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