Cuidado com Deus, porque ele castiga Cuidado com Deus, porque ele castiga
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Cuidado com Deus, porque ele castiga

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Mario Sabino
4 minutos de leitura 02.02.2022 16:58 comentários
Opinião

Cuidado com Deus, porque ele castiga

Na eleição de 2018, quem garantiu a eleição de Jair Bolsonaro foram os evangélicos, que constituem hoje cerca de 30% do eleitorado brasileiro, mais do que a metade dos que se declaram católicos (56%). O atual presidente venceu por muito pouco o petista Fernando Haddad entre os adeptos do catolicismo e do espiritismo e perdeu de lavada entre os que professam religiões afrobrasileiras. Entre os evangélicos, a diferença a favor de Jair Bolsonaro foi de 11,5 milhões de votos...

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Mario Sabino
4 minutos de leitura 02.02.2022 16:58 comentários 0
Cuidado com Deus, porque ele castiga
Foto: Daniel Medeiros/O Antagonista

Na eleição de 2018, quem garantiu a eleição de Jair Bolsonaro foram os evangélicos, que constituem hoje cerca de 30% do eleitorado brasileiro, mais do que a metade dos que se declaram católicos (56%). O atual presidente venceu por muito pouco o petista Fernando Haddad entre os adeptos do catolicismo e do espiritismo e perdeu de lavada entre os que professam religiões afrobrasileiras. Entre os evangélicos, a diferença a favor de Jair Bolsonaro foi de 11,5 milhões de votos.

Os evangélicos não só compõem a segunda parcela mais numerosa dos eleitores nacionais, como contam com uma bancada que tem na religião o seu principal farol. Há uma bancada evangélica, mas não há “bancada católica”, “bancada espírita” ou “bancada de religiões afrobrasileiras”. A Frente Parlamentar Evangélica conta com 195 deputados federais, de um total de 513, e 8 senadores, de um total de 81. Há rachas internos, que ocorrem por circunstâncias políticas, mas os valores são os mesmos.

Toda essa introdução é para dizer que faz sentido Sergio Moro (foto) acenar aos evangélicos. Como noticiamos, no próximo dia 7, ele lançará uma “carta de princípios aos cristãos”, que trará as suas posições em relação a aborto, liberdade religiosa, gêneros e erotização precoce. O seu conselheiro nessa área é Uziel Santana, ex-presidente da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (sim, existe uma). Ele afirmou a Claudio Dantas que a carta atacará “a erotização precoce promovida por certos grupos, inclusive nos meios acadêmicos, fala de combate às drogas e da importância da família. Sobre o aborto, Moro defende a legislação atual, a partir do princípio de que as duas vidas importam, tanto a da mulher como a do bebê não nascido”. 

O objetivo, de acordo com Uziel Santana, não é fechar um apoio institucional de igrejas”, mas apenas declarar princípios. O motivo para isso, que consta da carta, é “evitar quaisquer constrangimentos pessoais, coações espirituais ou distorções do pleito eleitoral por meio do chamado ‘voto de cabresto’, respeitando a autonomia da consciência liberdade individual”. Uziel Santana acha que Jair Bolsonaro traiu o eleitorado evangélico, ao abandonar o combate à corrupção e “abraçar-se ao patrimonialismo”. “Com relação a pautas morais, (o atual presidente) também deixou para trás vários temas, inclusive o da liberdade religiosa, que era até maior no governo Dilma do que agora. Todo o movimento de liberdade religiosa na gestão de Damares Alves acabou”, afirmou o conselheiro evangélico de Sergio Moro.

dois tipos de políticos no Brasil: o dos que não acreditam em Deus, mas fingem que acreditam para obter votos, e o dos que acreditam em Deus e O usam para obter votos. Deus não deveria estar em jogo num estado que se pretende laico, mas, como boa parte do povo brasileiro é extremamente religiosa, em especial os evangélicos, todo mundo pega na mão do Senhor e sai falando em nome dele durante as campanhas eleitorais.

Sergio Moro é político do segundo tipo, o dos que acreditam em Deus, e o seu ideário está genuinamente mais para o conservador. Mas tendo a crer que ele deveria se precaver no seu aceno aos evangélicos, para não ser tachado de reacionário. A expressão “ideologia de gênero”, por exemplo, deveria ser abandonada. Não vou entrar no mérito, mas fato é que essa expressão controvertida ficou muito associada a gente tacanha como Damares Alves. Falar em “erotização precoce” pode ser outro problema: lembra a história do “kit gay” e passa a impressão de homofobia.

O campo é minado e tropeços podem levar a que Sergio Moro perca a chance de conquistar votos preciosos junto aos jovens, principalmente, cada vez mais liberais em matéria de costumes. São 27,3 milhões de eleitores até 29 anos. A sua “carta de princípios aos cristãos” será explorada de maneira negativa pela mesma esquerda que pede bênção aos evangélicos, mas sem assinar documentos. Dirão que ele é tão retrógrado quanto Jair Bolsonaro. A maioria dos brasileiros pode ser conservadora (apenas 31% são favoráveis ao aborto, por exemplo, de acordo com uma pesquisa da Ipsos realizada em setembro do ano passado), mas certamente é tolerante. Se não modular bem o seu discurso, Sergio Moro passará a imagem de intolerante.

É preciso tomar cuidado com Deus, porque ele castiga.

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Mario Sabino é jornalista, escritor e sócio-fundador de O Antagonista. Escreve sobre política e cultura. Foi redator-chefe da revista Veja.

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