Carta de Natal
Querido Noel, Confesso que hesitei em escrever esta carta. Não por recear que você não exista, como teimam em dizer por aí. Isso não me desanimaria, afinal escrevo toda semana neste espaço sobre a democracia e a justiça brasileiras, mesmo sabendo que elas...
Querido Noel,
Confesso que hesitei em escrever esta carta. Não por recear que você não exista, como teimam em dizer por aí. Isso não me desanimaria, afinal escrevo toda semana neste espaço sobre a democracia e a justiça brasileiras, mesmo sabendo que elas não existem.
A democracia e a justiça no Brasil, caro Noel, não são dignas da crença nem de crianças ingênuas.
Por estas terras, nem mais os brasileiros existem. Melhor dizendo, estão gradativamente deixando de existir. Aqueles que têm condições financeiras imigram para Portugal e logo se esquecem de que foram brasileiros um dia, e que existiu nas suas vidas um brejo da cruz; os demais, vão deixando de existir estirados nas calçadas mesmo, pisados pela indiferença do governo e pela fome.
Mas como ia te dizendo, hesitei em escrever esta carta, e a hesitação se deu por me sentir obrigado a te fazer um pedido sério.
Embora eu seja advogado e pedir faça parte da minha profissão, um pedido assim, tão em cima da hora, em pleno dia de Natal, nos deixa aos dois, e a qualquer um, um tanto constrangidos. Claro, tem os que não ligam para isso e pedem até de sunga. Mas não é o meu caso, e estou bem assim.
Sem mais delongas, meu pedido é para que não venha ao Brasil. Não venha. Pode até soar inusitado, talvez inédito, mas minha carta é para que risque o Brasil de seu mapa.
Não nos causará embaraço, ao contrário. Foi o que fez a maior parte dos países do mundo que possui um mínimo de compromisso com a verdade e com a dignidade do ser humano.
Ultimamente, ficamos até felizes quando nos esquecem, quando nas reuniões e congressos internacionais nos ignoram e tratam nossos representantes como se ali não estivesse ninguém. E não estarão certos?
Seja como for, quando assim procedem nos é ótimo, pois menos vergonha passamos. Chega a nos dar um alívio quando alguém diz: “Brasil? Nunca ouvi falar”. Pois faça o mesmo. Se fizer muita questão, mande um link do Zoom e nos dê um oi. Fica tudo por isso mesmo.
Do contrário, meu amigo, passará apuros. Esse seu trenó sem capote e sem blindagem te colocará em risco. Caso decida, além de presentear, também defender as crianças, estimulando sua vacinação, terá sérios problemas. No seu caso ainda será pior, pois, em razão da idade, já deve ter tomado até mesmo a dose de reforço. Sua presença será para o governo uma provocação.
Tem dado até mesmo intimidação, ops, intimação na Polícia Federal não rezar a cartilha do governo, uma cartilha sem nada escrito e apenas com figuras. Tem sido arriscado não bater continência para louco dançar nesses últimos tempos.
Você não sabe o rolo que terá pela frente.
Desista do Brasil, desista de nós. Vá para Portugal.
André Marsiglia Santos é advogado, atua na área de Liberdades, e é colunista n’O Antagonista.
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