"Juiz de garantias é medida elitista que beneficiará privilegiados", diz procurador "Juiz de garantias é medida elitista que beneficiará privilegiados", diz procurador
O Antagonista

“Juiz de garantias é medida elitista que beneficiará privilegiados”, diz procurador

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Gabriela Coelho
8 minutos de leitura 31.10.2021 16:30 comentários
Entrevista

“Juiz de garantias é medida elitista que beneficiará privilegiados”, diz procurador

Em entrevista a O Antagonista, o procurador Hélio Telho afirmou que a figura do juiz de garantias é mais uma medida elitista que servirá para beneficiar apenas alguns poucos privilegiados...

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Gabriela Coelho
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“Juiz de garantias é medida elitista que beneficiará privilegiados”, diz procurador
Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Em entrevista a O Antagonista, o procurador Hélio Telho afirmou que a figura do juiz de garantias é mais uma medida elitista que servirá para beneficiar apenas alguns poucos privilegiados.

“Na maioria dos casos que cuidam dos crimes praticados pelos mais pobres, o juiz das garantias não tem atuação, porque são investigações que não exigem quebras de sigilos bancários e fiscais, tampouco interceptações telefônicas ou telemáticas e raramente demandam buscas e apreensões, que são as principais medidas que exigem a atuação do juiz das garantias”, explica.

“Então, os grandes beneficiários serão os integrantes de organizações criminosas e os criminosos do colarinho branco.”

O juiz de garantias foi sancionado por Jair Bolsonaro em dezembro de 2019, apesar de recomendação contrária de Sergio Moro.

O dispositivo, previsto no pacote anticrime — proposto por Moro e desfigurado pelo Congresso –, prevê a existência de dois magistrados, um atuando apenas na fase de instrução do processo – autorizando buscas e quebras de sigilo, por exemplo, e outro no julgamento do caso em si.

Se já existisse na Lava Jato, Moro determinaria as diligências e outro magistrado julgaria os processos decorrentes da investigação. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, marcou para o fim de novembro o julgamento das ações que questionam a figura do juiz de garantias.

Leia a íntegra da entrevista:

O que é o juiz de garantias? Como esse ente jurídico foi criado e qual o papel dele nos trâmites processuais?

Quando um crime é descoberto, é preciso investigá-lo, para identificar e reunir provas contra quem o praticou e, sem seguida, formalizar a acusação criminal contra essa pessoa, para que, dentro do processo penal, a sua culpa seja reconhecida pela Justiça, que vai determinar a punição que ela deverá receber, de acordo com os limites da lei. É o que chamamos de persecução penal, que é dividida em duas fases: A primeira é a investigação criminal e a segunda é o processo penal. Atualmente, o mesmo juiz que atua na fase da investigação criminal para garantir os direitos fundamentais dos suspeitos é o que vai atuar também no processo penal. Ou seja, hoje, um mesmo juiz acumula as funções de juiz das garantias e juiz do processo e julgamento. A figura do juiz das garantias foi criada na lei com a finalidade de separar essas funções, de modo que o juiz que atuar na fase da investigação ficará impedido de atuar na fase de processo e julgamento.

O que o juiz de garantias faria de diferente se for considerado constitucional no Supremo? Como é atualmente?

Na teoria, a ideia do juiz das garantias é muito bonita, porque o juiz que atuar na fase do julgamento não terá tido oportunidade de formar ideias preconcebidas a respeito do caso, a partir do contato que a investigação criminal lhe proporcionaria e, portanto, em tese seria mais isento em benefício do réu. Na prática, nós teremos duas categorias de acusados. Os acusados com direito a juiz das garantias e os acusados sem esse direito. Isso porque, um levantamento do CNJ mostrou que a maioria das comarcas no Brasil, ou está desprovida de juízes, isto é, não possui nenhum juiz, ou possui apenas um único juiz com competência criminal, o que impede a designação de 2 juízes diferentes para atuarem num mesmo caso, um como juiz das garantias e outro como juiz da instrução e julgamento. Assim, só as grandes cidades, com vários juízes, terão condições de designar juízes de garantias. A lei permite a criação de um sistema de rodízio de juízes para exercer as funções de juiz das garantias nas comarcas com apenas um juiz, mas essa medida não será suficiente, já que há comarcas sem um único juiz, há ainda comarcas muito distantes umas das outras, o que dificultará ou até mesmo inviabilizará a realização de algumas atividades do juiz das garantias que exigem presença física, como as audiências de custódia.

O juiz de garantias poderia interferir de que maneira no Ministério Público?

A lei não se limitou a criar a figura do juiz das garantias, mas deu-lhe novas atribuições que podem interferir indevidamente na esfera de atribuições do Ministério Público, como o de determinar o trancamento do inquérito criminal, sem que haja pedido do MP, barrando investigações. O trancamento de investigações é medida excepcional, só se justifica quando o crime esteja prescrito ou o fato investigado evidentemente não constitua crime. É providência que se destina a evitar que a investigação criminal seja utilizada indevidamente para perseguir ou constranger alguém. Mas, a lei que criou o juiz das garantias não estabeleceu critérios objetivos para o trancamento da investigação. Ao contrário, permitiu genericamente que as investigações sejam encerradas pelo juiz das garantias quando não houver “fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento”, o que dá margem à decisões subjetivas e arbitrárias que possam favorecer investigados poderosos e influentes.

As ações que questionam Juiz de garantias estão há quase dois anos paradas no Supremo. Devem ser votadas no final de novembro. Isso já não poderia ter sido resolvido?

Algumas dificuldades que existiam para a imediata implantação do juiz das garantias foram superadas ao longo desse tempo, inclusive como efeito da pandemia, como por exemplo a aceleração das medidas de adoção do processo eletrônico e da digitalização dos processos físicos, além da possibilidade de realizar audiências de custódia por videoconferência (a lei proíbe, mas uma liminar do ministro Nunes Marques, do STF, liberou durante a pandemia). Porém, temo que nem todas as comarcas estejam 100% digitalizadas, exigindo o deslocamento do juiz ou do processo, as vezes por longas distâncias, entre comarcas de difícil acesso. Além do mais, com o término da pandemia se anunciando, não será mais permitida a audiência de custódia por videoconferência, o que inviabilizará o rodízio de juízes de garantias para atender a comarcas sem juízes ou com apenas um juiz.

Considera positiva ou negativa a inclusão da figura do juiz das garantias no ordenamento brasileiro? Por que?
O juiz das garantias é mais uma medida elitista que se cria no Brasil, porque servirá para beneficiar apenas alguns poucos privilegiados. Na maioria dos casos que cuidam dos crimes praticados pelos mais pobres, o juiz das garantias não tem atuação, porque são investigações que não exigem quebras de sigilos bancários e fiscais, tampouco interceptações telefônicas ou telemáticas e raramente demandam buscas e apreensões, que são as principais medidas que exigem a atuação do juiz das garantias. Então, os grandes beneficiários serão os integrantes de Organizações Criminosas e os criminosos do Colarinho Branco, cuja investigação exige a adoção de técnicas especiais que, para serem realizadas, exigem prévia autorização judicial, a cargo do juiz das garantias.

Alguns críticos afirmam que a implementação provocaria o inchaço do Judiciário, gerando maiores gastos; e que representaria uma ofensa ao juiz natural e à Constituição. Acredita que esses são argumentos legítimos?
Não vejo ofensa ao juiz natural, se houver adoção de critérios objetivos pré-estabelecidos para a designação do juiz das garantias, que não poderá ser um juiz ad hoc (juiz designado especialmente para o caso). Porém, o judiciário precisará investir mais em informatização e na contratação de mais juízes, porque o que temos hoje não é suficiente. A permissão de videoconferência para as audiências de custódia ajudaria muito a viabilizar a implantação dos juízes das garantias em comarcas sem juiz ou com um juiz só.

Dizem que há falta de clareza em vários tópicos da competência do novo juízo, o que provocará uma chuva de habeas corpus pelo País quando os juízes de garantia começarem a atuar. Concorda? O que poderia evitar essas ações em massa?
As questões mais sensíveis dizem respeito às investigações e aos processos em curso atualmente. Uma medida adequada a evitar questionamentos e incidentes processuais desnecessários seria estabelecer que a figura do juiz das garantias não se aplica às investigações e aos processos em curso, apenas aos novos casos.

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Gabriela Coelho

É jornalista formada pelo UniCEUB, em Brasília. Tem especialização em gestão de crise e redes sociais. Passou pelas redações do Jornal de Brasília, Globo, Revista Consultor Jurídico e CNN Brasil. Conhece o mundo do Judiciário há alguns anos, desde quando ainda era estagiária do TSE. Gosta dessa adrenalina jurídica entre pedidos e decisões. Brasiliense, cobriu as eleições nacionais de 2010, 2014 e 2018 e municipais de 2012 e 2020.

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