Acreditam Que Manuel de Borba Gato Era um Homem Imponente Acreditam Que Manuel de Borba Gato Era um Homem Imponente
O Antagonista

Borba Gato: mestiço, protegido por índios, assassino de um fidalgo espanhol

avatar
Redação O Antagonista
4 minutos de leitura 29.07.2021 14:23 comentários
Cultura

Borba Gato: mestiço, protegido por índios, assassino de um fidalgo espanhol

Um fato curioso na polêmica sobre Borba Gato é o seguinte: os malucos que botaram fogo na estátua acreditam na história que ela conta. Acreditam que Manuel de Borba Gato era um homem imponente com traços europeus, que vestia camisa listrada, botas e colete vermelho de couro, e que era poderoso o suficiente para impor sua vontade contra índios indefesos. Nada tão distante da realidade do século XVII. Os incendiários do último sábado atacaram um personagem muito mais indígena do se imagina...

avatar
Redação O Antagonista
4 minutos de leitura 29.07.2021 14:23 comentários 0

Um fato curioso na polêmica sobre Borba Gato é o seguinte: os malucos que botaram fogo na estátua acreditam na história que ela conta. Acreditam que Manuel de Borba Gato era um homem imponente com traços europeus, que vestia camisa listrada, botas e colete vermelho de couro, e que era poderoso o suficiente para impor sua vontade contra índios indefesos.

Nada tão distante da realidade do século XVII. Os incendiários do último sábado atacaram um personagem muito mais indígena do que se imagina.

Antes da descoberta do ouro, os paulistas eram um povo esquecido, pobre, pouco relevante ao imenso império português. Quase todos eram mestiços de índios, portugueses degredados e cristãos novos (judeus convertidos) que chegaram ao Brasil expulsos ou órfãos, depois de seus pais terem sido presos e mortos na Europa. Falando uma boa dose de tupi-guarani, deram nomes indígenas a cidades que fundaram, como Jundiaí, Piracicaba ou Cuiabá. Borba Gato provavelmente cresceu em aldeias, foi criado por índias e, como seus parentes, guerreou contra outras tribos e europeus.

Qual o feito que levou Borba Gato aos documentos históricos? Ter matado um branco – o espanhol Rodrigo de Castelo Branco, fidalgo que fiscalizava a mineração e o pagamento de impostos no Brasil. Em 1682, dom Rodrigo foi a Minas Gerais e questionou Borba Gato sobre a localização de minas de ouro. Durante uma discussão, o paulista teria se irritado e empurrado o oficial num sumidouro – um buraco aberto pelos mineiros.

O que Borba Gato fez depois do crime? Refugiou-se entre seus amigos – os índios e “ficou entre eles, respeitado como um cacique”, escreveu seu contemporâneo Bento Fernandes Furtado. E ali viveu barbaramente, sem concurso de sacramento algum naquele modo de vida e nem comunicação com mais criaturas deste mundo por dezesseis anos.

Ou seja: segundo esse relato, o bandeirante não era um grande católico ou um bom representante da Igreja ou da Coroa. “Borba Gato também é descrito quase como um tupi em pontos seguintes da história”, diz Jorge Caldeira no livro O Banqueiro do Sertão. O paulista só faria as pazes com o reino português em 1698, quando foi nomeado tenente-geral de uma missão de descobrimento de ouro.

Os ativistas antiestátuas argumentam que não devemos manter em pé monumentos dos bandeirantes, que teriam matado e escravizado centenas de milhares de índios. A história é muito mais complexa.

Como conto no Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, a ideia de que os bandeirantes eram homicidas sádicos veio de relatos dos jesuítas à corte espanhola. Para aterrorizar as autoridades europeias, na esperança de lançá-las contra os paulistas, os padres os retrataram como assassinos que ainda colaboravam com judeus e holandeses. A imagem da selvageria dos paulistas também ajudava a esconder o real motivo do esvaziamento das missões (os índios não confiarem nos padres e se cansarem das regras cristãs).

O padre espanhol Antônio Montoya, por exemplo, numa carta ao reino espanhol falou sobre um ataque a uma missão jesuítica durante o qual os paulistas teriam matado índios como se fossem animais”. Já num comunicado interno sobre o mesmo episódio, mudou o tom: os paulistas não se atreveram a chegar ao povoado (…) e fugiram quebrando as canoas, correndo pelos montes”.

Muitos historiadores tomaram o relato dos jesuítas como verdadeiros, sem desconfiar dos exageros evidentes. Numa época de armas artesanais, era um tanto difícil poucos bandeirantes matarem centenas de milhares de pessoas em poucos dias ou acorrentarem dezenas de milhares de índios. Mesmo os jesuítas do século XVII discordaram dos números. Num relato, o ataque de Raposo Tavares a aldeias jesuíticas no Guairá, em 1628, teria resultado em 150 mil índios mortos e outros 40 mil presos. Já na Relação de Agravos, escrita pelos padres Justo Mansilla e Simão Masseta, o total de mortes durante o episódio foi de catorze.

Os incendiários do último sábado teriam sido mais eficientes se fizessem um protesto pacífico para convencer os paulistanos a derrubar a estátua de Borba Gato. Como não é um monumento fiel à história e nem exatamente bonito, muitos paulistanos concordariam com a sua retirada.

Leandro Narloch é autor de Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros livros.

  • Mais lidas
  • Mais comentadas
  • Últimas notícias
1

Cid implica Braga Netto para salvar delação premiada

Visualizar notícia
2

Agora vai, Haddad?

Visualizar notícia
3

Gonet foi contra prisão de Cid após depoimento a Moraes; militar foi liberado

Visualizar notícia
4

Tarcísio defende Bolsonaro contra “narrativa disseminada”

Visualizar notícia
5

Trump nomeia ex-procuradora da Flórida após desistência de Gaetz

Visualizar notícia
6

Líder da Minoria sobre indiciamentos: "Narrativa fantasiosa de golpe"

Visualizar notícia
7

"Não faz sentido falar em anistia", diz Gilmar

Visualizar notícia
8

Bolsonaro deixou aloprados aloprarem?

Visualizar notícia
9

A novela do corte de gastos do governo Lula: afinal, sai ou não sai?

Visualizar notícia
10

Papo Antagonista: Indiciamento de Bolsonaro e bolsonaristas

Visualizar notícia
1

‘Queimadas do amor’: Toffoli é internado com inflamação no pulmão

Visualizar notícia
2

Sim, Dino assumiu a presidência

Visualizar notícia
3

O pedido de desculpas de Pablo Marçal a Tabata Amaral

Visualizar notícia
4

"Só falta ocuparem nossos gabinetes", diz senador sobre ministros do Supremo

Visualizar notícia
5

Explosões em dispositivos eletrônicos ferem mais de 2.500 no Líbano

Visualizar notícia
6

Datena a Marçal: “Eu não bato em covarde duas vezes”; haja testosterona

Visualizar notícia
7

Governo prepara anúncio de medidas para conter queimadas

Visualizar notícia
8

Crusoé: Missão da ONU conclui que Maduro adotou repressão "sem precedentes"

Visualizar notícia
9

Cadeirada de Datena representa ápice da baixaria nos debates em São Paulo

Visualizar notícia
10

Deputado apresenta PL Pablo Marçal, para conter agressões em debates

Visualizar notícia
1

Calendário PIS 2025 (21/11): Saiba os valores e como receber!

Visualizar notícia
2

Mandado contra Netanyahu não tem base, diz André Lajst

Visualizar notícia
3

Bolsonaro deixou aloprados aloprarem?

Visualizar notícia
4

Trump nomeia ex-procuradora da Flórida após desistência de Gaetz

Visualizar notícia
5

PGR vai denunciar Jair Bolsonaro?

Visualizar notícia
6

Tarcísio defende Bolsonaro contra “narrativa disseminada”

Visualizar notícia
7

Agora vai, Haddad?

Visualizar notícia
8

"Não faz sentido falar em anistia", diz Gilmar

Visualizar notícia
9

A novela do corte de gastos do governo Lula: afinal, sai ou não sai?

Visualizar notícia
10

Líder da Minoria sobre indiciamentos: "Narrativa fantasiosa de golpe"

Visualizar notícia

Assine nossa newsletter

Inscreva-se e receba o conteúdo do O Antagonista em primeira mão!

Tags relacionadas

Borba Gato estátua fogo História do Brasil incêndio indígena Leandro Narloch O Antagonista São Paulo
< Notícia Anterior

Ajufe diz que ataques de Bolsonaro a Barroso e ao TSE "são inadmissíveis"

29.07.2021 00:00 4 minutos de leitura
Próxima notícia >

Portugal suspende toque de recolher noturno

29.07.2021 00:00 4 minutos de leitura
avatar

Redação O Antagonista

Suas redes

Instagram

Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.

Comentários (0)

Torne-se um assinante para comentar

Notícias relacionadas

Josias Teófilo na Crusoé: A realidade interrompida

Josias Teófilo na Crusoé: A realidade interrompida

Visualizar notícia
Crusoé: Exposição na Suíça mostra primórdios da arte moderna no Brasil

Crusoé: Exposição na Suíça mostra primórdios da arte moderna no Brasil

Visualizar notícia
Índia revoga proibição dos "Versos Satânicos" de Salman Rushdie

Índia revoga proibição dos "Versos Satânicos" de Salman Rushdie

Visualizar notícia
Podcast OA! recebe o humorista Maurício Meirelles

Podcast OA! recebe o humorista Maurício Meirelles

José Inácio Pilar Visualizar notícia
Icone casa

Seja nosso assinante

E tenha acesso exclusivo aos nossos conteúdos

Apoie o jornalismo independente. Assine O Antagonista e a Revista Crusoé.