Quem gostou da decisão do ministro de Bolsonaro no STF?
Até Jair Bolsonaro, os presidentes brasileiros costumavam acender uma vela para Deus e outra para o diabo. O atual presidente vem inovando, ao acender todas para o coisa-ruim. Veja-se, por exemplo, essa decisão em caráter liminar do ministro de Bolsonaro no STF, o senhor K: ele decidiu monocraticamente retirar os lugares de culto religioso das quarentenas impostas por governadores e prefeitos. Para ele, ir a um templo ou a uma igreja é essencial como ter de comprar antibiótico...
Até Jair Bolsonaro, os presidentes brasileiros costumavam acender uma vela para Deus e outra para o diabo. O atual presidente vem inovando, ao acender todas para o coisa-ruim. Veja-se, por exemplo, essa decisão em caráter liminar do ministro de Bolsonaro no STF, o senhor K: ele decidiu monocraticamente retirar os lugares de culto religioso das quarentenas impostas por governadores e prefeitos. Para ele, ir a um templo ou a uma igreja é essencial como ter de comprar antibiótico. Bolsonaro aplaudiu o despacho (em mais de um sentido) que agrada a sua base evangélica, apesar de ser crítico contumaz de decisões monocráticas. É que decisões monocráticas só são ruins quanto contrariam os seus próprios interesses — ou os do capeta.
O maligno deve ter gostado de saber: haverá mais oportunidades para a propagação do vírus da Covid, além das festas clandestinas da classe média, dos pancadões ilegais nas periferias e do transporte coletivo. Aliás, o senhor K. usou o exemplo de transporte coletivo, mercados e farmácias para liberar templos e igrejas. “Tais atividades podem efetivamente gerar reuniões de pessoas em ambientes ainda menores e sujeitos a um menor grau de controle do que nas igrejas”, disse ele na sua decisão, para arrematar: “Daí concluo ser possível a reabertura de templos e igrejas, conquanto ocorra de forma prudente e cautelosa, isto é, com respeito a parâmetros mínimos que observem o distanciamento social e que não estimulem aglomerações desnecessárias”.
O tinhoso é um sofista melhor do que o senhor K. O sofisma do ministro de Bolsonaro no STF é considerar templos e igrejas como lugares essenciais para a prática religiosa. A premissa, contudo, é facilmente desmontável: as pessoas podem rezar em casa, podem ouvir o seu pastor ou padre em missas e cultos virtuais e, no limite da urgência católica, confessar-se pelo Zoom, veja só. Dízimo? Transferência eletrônica imediata. Deus é ubíquo, salvo engano. Mas as pessoas não podem teletransporta-se, como em Jornada nas Estrelas, e nem todos os mercados e farmácias têm serviço de entrega para todo mundo. A essencialidade do conforto espiritual pode ser exercida à distância, assim como nas sessões de terapia.
Ao defender que as atividades religiosas presenciais são essenciais, o ministro de Bolsonaro no STF afirmou: “Reconheço que o momento é de cautela, ante o contexto pandêmico que vivenciamos. Ainda assim, e justamente por vivermos em momentos tão difíceis, mais se faz necessário reconhecer a essencialidade da atividade religiosa, responsável, entre outras funções, por conferir acolhimento e conforto espiritual”. Na esteira da decisão do senhor K., o procurador-geral do presidente, o senhor A.A., entrou firme na luta pela essencialidade de uma cadeira no STF, como demonstrado pelo seu pecado de agora há pouco.
O excomungado já pensa em soprar no ouvido de Bolsonaro e do seu ministro no STF que casas de tolerância e atividades afins também conferem acolhimento e certo conforto espiritual. Aí tudo tem mesmo de ser presencial. A comparação não é minha, lembre-se, é do cramunhão.
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