Subprocuradores condenam ‘antevisão’ de Aras sobre estado de defesa
Na nota em que cobraram de Augusto Aras investigação de Jair Bolsonaro por crimes comuns, subprocuradores também condenaram a afirmação da PGR, em nota divulgada ontem, de que o estado de calamidade pública é a “antessala” de um estado de defesa...
Na nota em que cobraram de Augusto Aras investigação de Jair Bolsonaro por crimes comuns, subprocuradores também condenaram a afirmação da PGR, em nota divulgada ontem, de que o estado de calamidade pública é a “antessala” de um estado de defesa.
“A defesa do Estado democrático de direito afigura-se mais apropriada e inadiável que a antevisão de um ‘estado de defesa’ e suas graves consequências para a sociedade brasileira, já tão traumatizada com o quadro de pandemia ora vigente”, disseram, na nota, seis subprocuradores-gerais da República, que integram o Conselho Superior do MPF.
A Constituição dá ao presidente da República o poder de decretar o estado de defesa, dentro do qual podem ser restringidos o direito de reunião, o sigilo de correspondências e de comunicações telefônicas. O presidente também poderia determinar prisões por “crime contra o Estado”.
O estado de defesa precisa ser autorizado pelo Congresso, dura no máximo 60 dias e serve para “preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza”.
Leia aqui o artigo de Mario Sabino sobre a nota de Aras. E, abaixo, a íntegra da nota dos subprocuradores:
NOTA
Os Subprocuradores-Gerais da República signatários, integrantes do Conselho Superior do Ministério Público Federal, vêm expressar sua preocupação com a nota publica do senhor Procurador-Geral da República Augusto Aras, divulgada em 20.1.2021, em que Sua Excelência afirma, entre outras coisas, que o “estado de calamidade pública é a antessala do estado de defesa” e informa haver requisitado “inquérito epidemiológico e sanitário” ao Ministério da Saúde. Referida nota parece não considerar a atribuição para a persecução penal de crimes comuns e de responsabilidade da competência da Supremo Tribunal Federal, conforme artigo 102, I, b e c, da Constituição Federal, tratando-se, portanto, de função constitucionalmente conferida ao Procurador-Geral da República, cujo cargo é dotado de independência funcional.
O Brasil enfrenta, desde o início de 2020, grave crise sanitária causada pelo novo Corona Vírus, com vasta repercussão social, econômica e política, tendo a doença já causado a trágica morte de mais de 211 mil brasileiros. A gravidade da pandemia ensejou a união de esforços da comunidade científica, de empresas, entidades estatais e organismos internacionais, para estudos e produção de vacinas, em breve tempo. No Brasil, tivemos a associação de esforços de instituições como Instituto Butantan e Fundação Oswaldo Cruz, com empresas e entidades de outros países, para desenvolvimento e produção de vacinas.
Contudo, nesse cenário mundial de adoção de medidas de prevenção da propagação da doença e de mobilização de recursos e estudos para produção de vacinas, tivemos no Brasil diferente realidade, que nos conduziu ao agravamento como se verifica, por exemplo, em Manaus, desde a última semana, com o desabastecimento de cilindros de oxigênio, causando mortes de pacientes por asfixia e transferência emergencial de outros para tratamentos em estados diversos.
No Brasil, além da debilidade da coordenação nacional de ações para enfrentamento à pandemia, tivemos o comportamento incomum de autoridades, revelado na divulgação de informações em descompasso com as orientações das instituições de pesquisa científica, na defesa de tratamentos preventivos sem comprovação científica, na crítica aos esforços de desenvolvimento de vacinas, com divulgação de informações duvidosas sobre a sua eficácia, de modo a comprometer a adesão programa de imunização da população. Não bastassem as manifestações de autoridades em dissonância com as recomendações das instituições de pesquisa, tivemos a demora ou omissão na aquisição de vacinas e de insumos para sua fabricação, circunstância que coloca o Brasil em situação de inequívoco atraso na vacinação de sua população.
A controvertida atuação do Governo Federal levou o Supremo Tribunal Federal a proferir decisões que reconhecem a competência concorrente e asseguram que os Governos Estaduais e Municipais adotem as medidas necessárias ao enfrentamento da pandemia, o que evidentemente não exime de responsabilidade o Governo Federal, conforme ampla e claramente afirmado e reiterado pela Suprema Corte.
De outro lado, e com a mesma gravidade, assistimos a manifestações críticas direcionadas ao TSE e ao sistema eleitoral brasileiro, difundindo suspeitas desprovidas de qualquer base empírica, e que só contribuem para agravar o quadro de instabilidade institucional. Além disso, tivemos recente declaração do Senhor Presidente da República, em clara afronta à Constituição Federal, atribuindo às Forças Armadas o incabível papel de decidir sobre a prevalência ou não do regime democrático em nosso País.
É importante recordar as espécies de responsabilidade dos agentes políticos no regime constitucional brasileiro. A possibilidade de configuração de crimes de responsabilidade, eventualmente praticado por agente político de qualquer esfera, também não afasta a hipótese de caracterização de crime comum, da competência dos tribunais.
Nesse cenário, o Ministério Público Federal e, no particular, o Procurador-Geral da República, precisa cumprir o seu papel de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e de titular da persecução penal, devendo adotar as necessárias medidas investigativas a seu cargo independentemente de “inquérito epidemiológico e sanitário” na esfera do próprio Órgão cuja eficácia ora está publicamente posta em xeque –, e sem excluir previamente, antes de qualquer apuração, as autoridades que respondem perante o Supremo Tribunal Federal, por eventuais crimes comuns ou de responsabilidade (CF, art. 102, I, b e c).
Consideramos, por fim, que a defesa do Estado democrático de direito afigura-se mais apropriada e inadiável que a antevisão de um “estado de defesa” e suas graves consequências para a sociedade brasileira, já tão traumatizada com o quadro de pandemia ora vigente.
Brasília, 20 de janeiro de 2021.
José Adonis Callou de Araújo Sá
Subprocurador-Geral da República
Conselheiro
José Bonifácio Borges de Andrada
Subprocurador-Geral da República
Conselheiro
José Elaeres Marques Teixeira
Subprocurador-Geral da República
Conselheiro
Luiza Cristina Fonseca Frischeisen
Subprocuradora-Geral da República
Conselheira
Mario Luiz Bonsaglia
Subprocurador-Geral da República
Conselheiro
Nicolao Dino
Subprocurador-Geral da República
Conselheiro
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