ENTREVISTA: política desastrosa de Bolsonaro na pandemia não configura crime contra a humanidade, diz ex-juíza do Tribunal Penal Internacional ENTREVISTA: política desastrosa de Bolsonaro na pandemia não configura crime contra a humanidade, diz ex-juíza do Tribunal Penal Internacional
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ENTREVISTA: política desastrosa de Bolsonaro na pandemia não configura crime contra a humanidade, diz ex-juíza do Tribunal Penal Internacional

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Redação O Antagonista
7 minutos de leitura 18.07.2020 10:00 comentários
Brasil

ENTREVISTA: política desastrosa de Bolsonaro na pandemia não configura crime contra a humanidade, diz ex-juíza do Tribunal Penal Internacional

Única brasileira a ter integrado o Tribunal Penal Internacional, a desembargadora federal aposentada Sylvia Steiner avalia que, apesar da "política desastrosa" de Jair Bolsonaro no combate à pandemia no Brasil, não há elementos que configurem genocídio ou crime contra a humanidade. Em entrevista a O Antagonista, Sylvia Steiner foi questionada sobre as chances de prosperarem no TPI denúncias apresentadas recentemente contra o presidente por crime contra a humanidade, pela postura no enfrentamento da Covid-19...

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7 minutos de leitura 18.07.2020 10:00 comentários 0
ENTREVISTA: política desastrosa de Bolsonaro na pandemia não configura crime contra a humanidade, diz ex-juíza do Tribunal Penal Internacional
Sylvia Steiner

Única brasileira a ter integrado o Tribunal Penal Internacional, a desembargadora federal aposentada Sylvia Steiner avalia que, apesar da “política desastrosa” de Jair Bolsonaro no combate à pandemia no Brasil, não há elementos que configurem genocídio ou crime contra a humanidade.

Em entrevista a O Antagonista, Sylvia Steiner foi questionada sobre as chances de prosperarem no TPI três denúncias apresentadas neste ano contra o presidente pela postura no enfrentamento da Covid-19.

O crime de genocídio, tipo penal julgado pelo TPI, foi mencionado por Gilmar Mendes, ao criticar a participação de militares no Ministério da Saúde. Há uma quarta representação, apresentada no fim do ano passado, que denuncia o tratamento a indígenas no país.

Evitando antecipar qualquer decisão, Sylvia Steiner disse que, ultimamente, o TPI tem selecionado apenas casos envolvendo conflitos armados e violência física contra a população. Para denunciar internacionalmente a política sanitária, uma alternativa seria acusar o Brasil perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, responsabilizando Bolsonaro.

“O Tribunal Penal Internacional não julga políticas, mas crimes e pessoas. Para políticas, temos a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que vai analisar a responsabilidade político-administrativa de atos que violem direitos fundamentais, como direito à vida e à saúde.”

Na entrevista, que você lê abaixo, Sylvia Steiner também explicou o funcionamento básico do TPI, que ela ajudou a preparar antes de ingressar na Corte em 2003, após ser indicada, no ano anterior, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Ela deixou o TPI em 2016.

O Antagonista – Na visão da senhora, faz sentido acusar o presidente Jair Bolsonaro e as Forças Armadas de promoverem um genocídio na pandemia de Covid-19?

Sylvia Steiner – Do ponto de vista jurídico-legal – e sou jurista –, não me parece, pessoalmente, que essas políticas desastrosas, em relação tanto ao Meio Ambiente, quanto em relação às comunidades indígenas ou à Covid-19, configurem crime contra a humanidade, do ponto de vista jurídico-penal. Do ponto de vista da sociedade civil, que não tem a quem recorrer, entendo por que recorrer a instâncias internacionais. Mas o problema é que o Tribunal Penal Internacional não julga políticas, mas crimes e pessoas. Para políticas, temos a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que vai analisar a responsabilidade político-administrativa de atos que violem direitos fundamentais, como direito à vida e à saúde, pelos poderes públicos.

Na Corte Interamericana, o presidente poderia ser responsabilizado, mas quem iria arcar é o Estado brasileiro. Poderia ser obrigado a reinstituir uma situação, fazer uma reparação individual ou coletiva, por exemplo. O Tribunal Penal Internacional julga a responsabilidade penal individual. Se a pessoa cometeu crime descrito no Estatuto de Roma ou não.

E que crimes são esses?

O TPI julga crimes descritos no Estatuto de Roma. É como um Código Penal, onde se descreve quais as condutas que serão consideradas crimes. Há quatro grupos de crimes: genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão. No próprio Estatuto de Roma, cada uma dessas condutas vem descrita.

Para o crime de genocídio, se exige a comprovação do dolo, que é a intenção de exterminar grupo étnico, religioso ou racial. Para crimes contra a humanidade, se exige também o dolo, consistente num ataque sistemático e generalizado contra a população civil. Isso se chama elemento contextual do crime contra a humanidade, que acho que não existe, na minha modesta opinião.

Existe no Estatuto de Roma também a figura da responsabilidade por omissão, quando o acusado sabe que os subordinados estão cometendo crime e não faz nada para evitar. Mas não tem nada a ver com esses crimes que estão sendo apontados nessa acusação [contra Bolsonaro].

Como é feita a análise desse tipo de acusação no Tribunal Penal Internacional, a partir da apresentação da denúncia?

O Tribunal Penal Internacional é formado por 18 juízes e tem que manter uma representação geográfica equitativa, representação de gênero e por sistema legais. Tem também um procurador que, para cada caso, aponta uma espécie de promotor que vai atuar. Em termos de procedimento, as denúncias são encaminhadas ao gabinete do procurador, que faz uma primeira triagem, para rejeitar liminarmente aquelas manifestamente fora da jurisdição. As que sobram, ele abre um exame preliminar, onde vai analisar se o tribunal tem competência, se o caso é admissível, se há gravidade, interesse da Justiça.

E ao final dessa fase de exame preliminar, se entender que há motivos para abrir investigação, pede autorização à Câmara Preliminar, composta por 3 dos 18 juízes, para abrir investigação. Para abrir investigação, basta maioria. Essa é uma análise muito criteriosa, que pode durar de 1 a 2 anos. Mas tem algumas situações que estão em fase ainda de exame preliminar há 7 ou 8 anos, como a situação da Colômbia. Demora bastante tempo. A investigação tem que ser muito criteriosa. A investigação seria o equivalente a fazer o inquérito policial. Só depois começa o processo.

O processo, para avançar, exige que o acusado compareça pessoalmente em Haia. Ele tem que aceitar ou o tribunal expede um mandado de prisão, para que o Estado que é parte o entregue. E ele ficará preso enquanto responde ao processo. Hoje, existem seis condenados pelo TPI cumprindo pena, o que pode ocorrer em outros países com os quais o tribunal estabelece convênios.

Voltando ao caso de Bolsonaro. Fora a sua avaliação pessoal, pela sua experiência, a sra. considera que há chances de prosperar a denúncia apresentada contra ele no TPI?

Nessa fase de exame preliminar, os juízes nem tomam conhecimento. É feito pela Procuradoria. É muito difícil examinar. Pela prática até agora, o tribunal é obrigado a ser seletivo. Ele não tem condições físicas de processar e julgar todos os crimes contra a humanidade, crimes de guerra que acontecem mundo afora. E a Procuradoria tem selecionado casos levando em conta uma série de elementos, como a gravidade do delito, o interesse da Justiça, o fato de o Estado ter condição ou não de julgar, sob pena de o Tribunal não ter como funcionar. Tendo em vista os casos até agora abertos, são casos que envolvem conflito armado. Tem havido preferência por situações de conflito armado ou ataques físicos violentos contra a população civil. A partir de março do ano que vem, teremos um novo procurador, quando a atual procuradora, Fatou Bensouda, de Gâmbia, completa o mandato de nove anos. Não sabemos se o próximo vai manter essa preferência. O sucessor é eleito em novembro.

Existem casos mais graves em análise atualmente? Quais são eles?

A Procuradoria publica todos os anos, em dezembro, relatórios dos exames preliminares que estão em andamento. O relatório de dezembro, em fase de exame preliminar, apresenta as situações da Geórgia, da Nigéria, da Palestina, das Filipinas, da Ucrânia e da Venezuela. Fora o da Colômbia, em exame preliminar há 6 ou 7 anos. Todos elas incluem a questão da violência contra a população civil. Algumas são situações de violência por parte dos governos. No caso da Nigéria, é a atuação do grupo terrorista Boko Haram, por exemplo.

O caso da Venezuela é decorrente de denúncia feita por seis países: Argentina, Canadá, Colômbia, Chile, Paraguai e Peru. Apesar de mencionar como cenário a questão do descontentemo popular, a inflação e a escassez de alimentos, o que está sob exame preliminar são as circunstâncias de violência reportadas, traduzidas por prisões ilegais de líderes de oposição, casos de tortura, prisão de manifestantes. Pessoas atacadas pelas forças de segurança resultando em mortes e ferimentos, série de abusos nos centros de detenção. Todo o cenário político é parte do colapso. Mas os crimes que estão em exame preliminar, são aqueles descritos: assassinatos, maus-tratos, execuções sumárias.

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