Jerônimo Teixeira na Crusoé: O deputado sarado e os ministros divinos
A excelente reportagem do The New York Times sobre a expansão dos poderes do STF recuperou a história de esquecido guerrilheiro bolsonarista
O The New York Times outro dia me lembrou da perda irreparável que sofri em uma noite de fevereiro de 2021.
Arre, a frase saiu melodramática! Corro para tranquilizar o leitor: não falo da morte de um irmão ou de uma ilusão. Minha perda, embora irreparável, foi pequena. Desperdicei meros 21 minutos da minha vida.
Esse tempo teria sido melhor empregado relendo Quatro Quartetos, de Eliot. Ou ouvindo o quarto quarteto de Bartók, minha peça favorita do gênero, que tem aproximadamente essa duração. Ou vendo Bojack Horseman na Netflix. Mas não: resolvi gastá-los, esses malditos 21 minutos, assistindo ao vídeo em que o então deputado federal Daniel Silveira esculachou o STF – uma performance bombástica, que lhe valeu uma sentença de oito anos e nove meses de prisão. Quando a sentença saiu, em 2022, o presidente Jair Bolsonaro concedeu um indulto ao condenado; no ano seguinte, o STF anulou o perdão e Silveira foi parar em Bangu. No último dia 7, o ministro Alexandre de Moraes concedeu-lhe a progressão de pena para o regime semiaberto.
A reportagem de Jack Nicas para o The New York Times – muito boa, aliás – começa lembrando Silveira e o vídeo de 2021. Chato que sou, encontrei uma pequena imprecisão na seguinte passagem da reportagem de Nicas:
“Silveira sentou no seu sofá e começou a gravar: ‘Quantas vezes eu imaginei você na rua levando uma surra’, disse no seu discurso virulento contra os ministros do Supremo, os músculos se avolumando através de sua camiseta.”
Repare que fica incerta a identidade do “você” (“you”, no original) que Silveira desejaria ver levando porrada. Em inglês, há uma dubiedade extra, pois “you” pode ser singular ou plural. “Vocês” colocaria todos os onze ministros do STF debaixo do sarrafo imaginário de Silveira. Na versão em português do jornal, consta “você” – seria, portanto, um ministro indeterminado.
O ministro, no singular, é Edson Fachin. Quando gravou o vídeo, Silveira estava furibundo com uma nota que Fachin divulgara, criticando certas declarações do general Eduardo Villas-Boas. O guerreiro bolsonarista também distribuiu ofensas e acusações a outros ministros, mas só entrou em detalhes na descrição do castigo que gostaria de ver aplicado a Fachin: “uma surra bem dada nessa sua cara com gato morto até ele miar”.
A truculência vinha acompanhada de certa cautela. Silveira fez questão de dizer que imaginar um espancamento não é crime. Mesmo em sua fantasia sádica, não era ele quem sentava o gato morto na cara do ministro: Silveira seria mera testemunha da cena. Um voyeur de linchamento.
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