Josias Teófilo na Crusoé: O Brasil medieval
Não é exagero dizer que o homem que colonizou o Brasil tinha uma mentalidade puramente medieval
Em sua coluna semanal para Crusoé, Josias Teófilo escreve para esta edição uma crônica sobre as épocas medieval em que o Brasil passou, mesmo não existindo medievo brasileiro.
Não existiu medievo brasileiro. Não segundo a divisão histórica corrente. Acontece que em termos culturais os períodos não são tão estanques. No livro O Diabo e a Terra de Santa Cruz, de Laura de Mello e Souza, é descrito como, no caso do descobridor da América, Cristóvão Colombo, “o pensamento medieval se somou ao aventureiro intrépido de uma nova era – a das navegações e das descobertas – também o hábito de ouvir se aliou ao de ver, numa espécie de premonição do primado visual caracteristicamente barroco”.
No caso do descobrimento do Brasil existiu dinâmica semelhante. Ora, o Renascimento, e com ele a Era Moderna, afirmou-se tardiamente na Península Ibérica. E demorou ainda mais para adentrar o imaginário das pessoas comuns – cheias de superstições e de uma religiosidade profundamente medieval. Não é exagero dizer que o homem que colonizou o Brasil – este “imenso Portugal”, para citar o título do livro de Evaldo Cabral de Melo – tinha uma mentalidade puramente medieval.
Frei Vicente Salvador, no livro História do Brasil (1627) faz uma interpretação bastante singular do nome do nosso país, que envolve o bem e o mal, Deus e o diabo, e que provavelmente inspirou o título do livro de Laura de Mello e Souza. Com a primeira missa, celebrou-se a Santa Cruz e deu-se o nome de Terra de Santa Cruz àquela nova região, o que durou muitos anos. Porém, o demônio, vendo que perdera o domínio que tinha sobre os homens daquela terra, trabalhou para que esquecesse o primeiro nome e lhe ficasse o de Brasil, por causa de um pau de cor abrasada e avermelhada.
Laura ressalta que o descobridor da América pensou seriamente em usar o ouro americano para financiar as Cruzadas. Mas a relação entre descobrimento do Brasil e as Cruzadas é ainda mais intrínseco: Jorge Caldeira, no livro História da Riqueza no Brasil mostra como a extinção da Ordem Templária, e sua restauração em Portugal como Ordem de Cristo, foi fundamental para os descobrimentos. A tecnologia das navegações, usadas para conectar Oriente e Ocidente nas Cruzadas, terminou servindo aos descobrimentos. Em 1418, Dom Henrique conseguiu uma bula papal autorizando o projeto das navegações, classificando-as como uma cruzada.
Os arquivos da Santa Inquisição em Portugal e no Brasil são testemunhos fiés da mentalidade medieval existente no Brasil Colônia: as superstições, inclusive de caráter demoníaco, a religiosidade popular, a prática de magia integrada ao cotidiano do campo e das cidades – cidades que tinham uma estrutura medieval, vale lembrar.
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